"O
homem comum deve encarar como discussão bizantina a controvérsia em torno da
proposta de independência do Banco Central defendida por Marina e Aécio, e
rejeitada por Dilma. Acredito que, dentre os 202 milhões de brasileiros, não
menos que 201 milhões não têm a menor ideia do que se trata. Claro, ninguém é
obrigado a conhecer Física Quântica para concluir que a energia nuclear é, em
certas circunstâncias, um risco. Os economistas do BC independente atuam como
alguns físicos que defendem ou atacam a energia nuclear: recorrem ao argumento
da autoridade. Em certos casos, para forçar o argumento, apelam para o puro
charlatanismo.
O debate sobre o BC independente está permeado de desinformação.
Reflete em seus aspectos fundamentais a dominação do poder econômico camuflada
de sabedoria técnica. Muitos economistas se prestam a esse jogo a fim de
atender a interesses próprios ou de políticos, enquanto políticos fazem o jogo
do poder econômico e ganham com isso apoio financeiro para o exercício de seu
poder específico. Diante desse quadro sujeito a tantas manipulações, eu,
na qualidade de economista político, vou tentar esclarecer a política que está
sob a operação de um BC independente, e a economia que se pretende assegurar
com a proposta de independência do BC.
Primeiro vamos às operações básicas. O banco recebe de você 100
reais em depósito e os empresta com taxa de juros de 50. O tomador,
passado um tempo, paga o principal e os juros, 150. O banco então devolve os
seus 100 e embolsa 50. Eis aí o primeiro fenômeno da política monetária: a
criação de moeda do nada que se torna lucro e patrimônio do banco. Essa
operação não é absolutamente garantida. Pode haver calote. Diante disso, o
banco pega parte dos depósitos que você faz nele e coloca como reservas
próprias no BC para usar numa emergência. Claro, o BC remunera o banco, como se
fosse dinheiro dele, e não seu. Daí o segundo fenômeno da política monetária: o
BC cria dinheiro para doar a os bancos particulares na remuneração das
reservas.
Vamos agora a um fenômeno paralelo, a emissão monetária. O BC
estabelece a taxa de juros básica para remunerar as reservas bancárias: é a
chamada Selic. A definição dessa taxa resulta da solução de uma complexa
equação que indica, com a força do oráculo de Delfos, a fração exata que põe a
inflação na meta estabelecida nominalmente pelo Conselho Monetário - mas, na
verdade, pelo próprio BC. Entretanto, a taxa Selic tem que ser “defendida” pelo
BC, pois se ela flutuar a inflação, dizem, sai do controle. Pode haver o caso
em que os bancos desaguem muito dinheiro nas reservas, pressionando para baixo
a taxa Selic; ou, ao contrário, que os bancos pressionem para o alto a taxa
tomando dinheiro emprestado das reservas. No primeiro caso, o BC “enxuga” as
reservas; no segundo, emite dinheiro para aumentar o volume de reservas
disponíveis para os bancos. Eis aí o terceiro milagre da política monetária, a
destruição e criação de moeda pelo BC para “defender” uma determinada taxa
básica de juros.
Até
aqui não tratei de independência ou autonomia do BC. A distinção entre as duas
é simplesmente semântica. Admite-se que autonomia operacional é a prerrogativa
do BC de atuar dentro de determinados parâmetros “técnicos”, a saber, a
institucionalidade exposta acima. Independência, nesse caso, seria a
prerrogativa de alterar os próprios parâmetros operacionais. Entretanto, um BC
realmente a serviço da economia, e não a serviço exclusivamente dos bancos,
opera em direta articulação com o Tesouro: e esta é a questão central que vamos
examinar agora. Por isso, não pode ser independente.
Para ler artigo completo de J. Carlos de Assis - Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional na UEPB, autor de “O Universo Neoliberal em Desencanto”, com Antonio Doria clique aqui
Nenhum comentário:
Postar um comentário