sexta-feira, 29 de julho de 2011

Maranhenses exigem respeito!

No Estado do Maranhão a vida de alguns maranhenses não está segura, não é garantida, não há lei que a proteja, nem autoridade a quem recorrer.

Tem, a cada dia, uma enorme chance de piorar.

Principalmente se for pobre, negro, índio, mulher, criança, pescador, lavrador, quebradeira de coco.

Aqui a lei não vale para garantir os seus direitos, as autoridades públicas não dão ouvidos às suas reclamações, os fatos se sucedem sem que ninguém do Estado tome alguma providência.

Aliás, como o próprio povo diz: “as autoridades só ajudam a piorar!”

Por conta disso, o Estado do Maranhão, com suas autoridades que deveriam honrar a qualidade de serem “públicas”, isto é, de todos, já deveria ter sido acionado nas cortes internacionais de direitos humanos por violação sistemática aos direitos dessas populações.

Abaixo mais um caso dos inúmeros que ocorrem diariamente no Estado, em que uma comunidade inteira se vê atingida em seu direito e sente ameaçada em sua existência, no seu modo de vida, por um agente do Estado, que se aproveita literalmente das insígnias do cargo, da omissão dos poderes públicos e da influência que desfruta para praticar uma violação de direito contra uma comunidade inteira.

Imagine só a situação: a vida de uma comunidade entre a cerca de arame farpado e a estrada, agora sem água para beber.

Exatamente essa a situação que vive a comunidade quilombola de Mafra, com 13 famílias, localizada no município de Bequimão, na baixada maranhense.

Informações encaminhadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT/MA) ao Ouvidor Agrário Nacional, Desembargador Gercino Filho, dão conta de que a situação vivida pela comunidade é gravíssima.

Segundo constatação feita, as terras da comunidade estão todas cercadas, o que levou as famílias a viverem espremidas entre as cercas das fazendas e a estrada, numa situação de calamidade.

Para uma comunidade de beira de campo, essa situação de confinamento praticamente inviabiliza o seu modo de existência e um dos direitos mais elementares, o acesso a água potável, o que compromete a vida e a segurança alimentar de todos os que nela vivem.

A situação ruim ficou bem pior, segundo denuncia a própria comunidade, em requerimento encaminhado à Ouvidoria Agrária, subscrito por sessenta e dois integrantes do quilombo de Mafra, impossibilitados agora de usar o poço da comunidade.

Na denúncia consta que no mês de dezembro de 2009, Rozivaldo Ribeiro, identificado como Coronel da Polícia Militar do Estado do Maranhão, destruiu a única fonte de água potável da comunidade, ao construir um açude em sua propriedade próximo ao poço, o que levou a comprometer a estrutura física inteira deste.

Conforme informações de dona Canuta, nascida, criada e morando na comunidade quilombola de Mafra, hoje com 78 anos de idade, o poço é conhecido como “furmigueiro”, foi cavado pelos negros no tempo da escravatura e servia para abastecer todas as famílias da região.

Para os moradores, o coronel Rozivaldo, ao cavar o açude, “dúchou o poço no meio, com isso nós ficamos sem água para o nosso consumo”.

Sem acesso ao campo e agora sem acesso a água do poço, os moradores têm que andar quase 8 km para buscar água para beber.

A comunidade quilombola de Mafra não titubeia em dizer o que quer da Ouvidoria Agrária: “Exigimos uma solução imediata”

Para Pe. Inaldo Serejo, Coordenador da CPT/MA, “essa situação clama por solução urgente”.

Não custa nada relembrar refrão da música que ajudou na mobilização de milhares de brasileiros e brasileiras, quando da Campanha Nacional pela Reforma Agrária, na década de 80, bastante atual para o nosso momento, quando a questão da terra é uma das temáticas centrais para se construir um país justo, democrático, soberano e gerador de igualdade social.

Ainda mais quando se percebe que a concentração de terras aumenta de forma avassaladora, por conta do agronegócio e grandes projetos, implantados no campo através de financiamento com dinheiro público, afetando principalmente as comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais, ribeirinhos e extrativistas, colocando em risco suas vidas, continuidade e existência.

Nada mais certo do que dizer em alto e bom som, numa forma de exigir a reforma agrária, a demarcação de terras e o reconhecimento de posses:

“Vamos companheiros, devemos lutar
Que já cansamos de esperar!
O prazo está vencido
E nós queremos a Reforma Agrária Já!”

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Notícias do desenvolvimento no Maranhão III

Reportagem de Aguirre Talento, publicada na Folha de São Paulo, 26/07/2011 mostra que o Maranhão, segundo dos dados do Censo 2010 do IBGE, é o Estado com a maior proporção de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza.

Em outras palavras: 25% por cento dos seus habitantes estão na condição de “miseráveis”.

O discurso governamental, da família Sarney e seus asseclas, é sempre o mesmo desdobro, coisa de “joão sem braço”: estamos fazendo o possível; não temos recursos suficientes; a pobreza é cultural; estamos atraindo novos investimentos, etc.

Chegam até o cúmulo de jogar a responsabilidade pela pobreza nas costas do próprio povo, ao afirmar que não têm culpa se o povo não trabalha, não tem talento para enriquecer, não está preparado para os novos empreendimentos no Estado, etc.

Repetem esse discurso milhares de vezes, que não fica de pé ao primeiro argumento, com o objetivo de retirar de suas costas qualquer responsabilidade pela pobreza existente nesse Estado, de que enquanto parte do povo morre de fome e sede, eles nadam em dinheiro, sem nunca terem tido uma firma, uma fábrica ou produzido um invento, apenas uma grande jogada: a apropriação dos cargos públicos.

Com toda certeza as causas da pobreza no Maranhão apontam para outra direção, mas precisamente para esse modelo de desenvolvimento que se implantou no Estado, que está mais para saque do que para administração pública, que consolidou e aprofundou as históricas desigualdades sociais.

Quatro décadas de um mesmo modelo, já com sinais visíveis de que é apenas um cadáver ambulante que fala e nada mais, precisando agora de bons e confiáveis coveiros.

Abaixo a matéria na íntegra.


AGUIRRE TALENTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Apesar de ter tirado cerca de 600 mil pessoas da pobreza extrema na última década, o Maranhão ainda é o Estado que tem maior parcela da população vivendo com até R$ 70 mensais. É 1,7 milhão, de acordo com o último Censo, o que representa 25% dos 6,5 milhões de maranhenses.

A pobreza é evidenciada pela infraestrutura deficiente. O esgotamento sanitário, por exemplo, cobre só 12% dos domicílios e a coleta de lixo alcança só 25% deles.

O desenvolvimento econômico do Maranhão se sustentou em atividades concentradoras de riqueza, por isso os baixos níveis de renda, avaliaram especialistas ouvidos pela Folha. As suas bases são o agronegócio (baseado na soja), a pecuária bovina e a indústria de ferro.

A atual governadora é Roseana Sarney (PMDB), filha do presidente do Senado, José Sarney (PMDB). Ela está em sua quarta gestão no Estado, que também foi governado pelo próprio Sarney de 1966 a 1971. Os governadores seguintes foram eleitos com seu apoio, à exceção de Nunes Freire (1975-1979). A maioria deles, porém, rompeu com Sarney ao longo de suas gestões, mas foram sucedidos por aliados da família do senador.

Acusado de comandar a política no Estado, Sarney afirma não ter mais influência. A atual governadora diz que está investindo em infraestrutura para desenvolver o Maranhão.

Os pesquisadores avaliam que a melhoria de renda obtida na última década deve-se, em boa parte, às políticas do governo federal, como as transferências de renda e os ganhos do salário mínimo.

A retomada do crescimento maranhense após uma estagnação na década de 90 também ajudou. O PIB estadual cresceu a altas taxas, mas a distribuição dessa riqueza é o principal gargalo.

"Nosso mercado de trabalho é muito precário, não insere a população e os rendimentos são baixos", diz Maria Ozanira, coordenadora de grupo de pesquisa sobre pobreza na Ufma (Universidade Federal do Maranhão).

INFORMALIDADE

Dados de 2009 do IBGE mostram que 45% dos trabalhadores maranhenses são informais ou não têm a carteira de trabalho assinada.

Em estudo de 2008 no qual analisa a economia do Estado, o economista Benjamin de Mesquita, da Ufma, afirma que falta "comprometimento com o desenvolvimento local dos governos que se sucedem".
Um dos exemplos citados pelos estudiosos para ilustrar a questão é a Lei de Terras, aprovada em 1969, durante o governo Sarney, que alavancou o agronegócio, mas limitou a agricultura familiar. "A lei vendeu terras do Estado para grandes projetos agropecuários e causou uma concentração fundiária", diz o historiador Wagner Cabral, da Ufma.

A pobreza também é uma herança histórica: existem 527 comunidades remanescentes de quilombos no Maranhão, totalizando 1,3 milhão de pessoas, e 35 mil indígenas. Os quilombolas ainda lutam pela posse de seus territórios, mas é um processo demorado no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

O agronegócio já ocupa quase o dobro do espaço da agricultura familiar: 8,4 milhões de hectares contra 4,5 milhões de hectares, respectivamente, de acordo com o Censo Agropecuário do IBGE (2006). No entanto, a agricultura familiar é a fonte de renda de 850 mil pessoas, enquanto o agronegócio emprega apenas 133 mil.

Tampouco a indústria é intensiva em mão de obra: são 332 mil empregados, de acordo com a Federação das Indústrias do Maranhão.

O resultado desse cenário todo é que, dos 20 municípios com menor renda média do Brasil, 14 são maranhenses. No Estado, o rendimento médio mensal domiciliar, por pessoa, é de R$ 404,99, o menor do Brasil.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Agronegócio: modelo perverso para a economia nacional!



IHU On-Line – Qual sua opinião em relação ao uso de agrotóxicos no Brasil?

José Juliano de Carvalho – Minha atividade de pesquisa junto das populações camponesas durante muitos anos pôs-me em contato com os efeitos do agrotóxico. Mas o que importa é discutir esse modelo que se chama de agronegócio. Não se trata de uma simples técnica. É um modelo com efeitos perversos para a economia nacional, que nos faz voltar ao passado em relação à exportação de produtos primários e, o pior, com a dependência de poucas empresas multinacionais.

O agrotóxico, evidentemente, está ligado à questão das patentes e dos transgênicos. E os efeitos do enorme consumo de agrotóxicos no Brasil, que chega a 5,7 litros de veneno por habitante, estão ligados a esse modelo.

Isso tudo está dentro de uma questão maior, a questão agrária, que se caracteriza aqui no Brasil pela concentração fundiária, que está crescendo. 

Os agrotóxicos são usados sem nenhum controle pela sociedade brasileira. Seu uso está sob os interesses do que se chama de agronegócio. Olhando para o campo, veremos que há um mecanismo que torna o governo refém dos ruralistas. Neste mecanismo está embutida a própria questão macroeconômica, que tem um déficit crescente em contas correntes. Isso implica em pressão para se exportar mais commodities e o governo acaba ficando refém. 

Basta olhar para o Congresso Nacional e ver que ali há um domínio muito amplo dessas forças, que eu considero as mais retrógradas do país. Tenho visto muito a destruição e a inviabilização da agricultura familiar. Não só por causa do agrotóxico, mas pelo conjunto do modelo do agronegócio.

Um caso emblemático no Rio Grande do Sul é a detecção do agrotóxico no leite materno. A mãe, ao amamentar, envenena o filho com o próprio leite. Isso é um absurdo, um descontrole total. Minha opinião sobre o uso de agrotóxicos no Brasil é que é abusivo, exagerado, incontrolável. 

Ficou muito mais difícil para a agricultura familiar. Quando se fala em integração da agricultura familiar com a indústria, eu vejo mais uma relação de subordinação. O Brasil se sujeita a se entregar à economia mundial num lugar subalterno e sob o domínio de grandes empresas multinacionais. Elas fazem o que querem aqui, sem regulação e com domínio total. E não são punidas por seus crimes.

IHU On-Line – Então o impacto do uso de agrotóxicos pode prejudicar a economia brasileira? 

José Juliano de Carvalho – Penso que sim. E falo do impacto do pacote inteiro do modelo do agronegócio. Existe um eufemismo em torno disso, que vem dos Estados Unidos com o agrobusiness. O modelo inteiro prejudica o agrotóxico, inclusive, visto que ele está junto. É preciso que se institua a regulação do agronegócio. Senão, pega-se um investimento público feito para a agricultura familiar ou para áreas de assentamento e deixa-se que essa área seja dominada por monoculturas ligadas ao agronegócio, com uso de agrotóxicos, transgênicos, prejudicando assim todas as pessoas que ali estão.

IHU On-Line – O Brasil é um dos países que mais utilizam agrotóxicos. O que isso revela sobre a posição brasileira em relação ao futuro da agricultura?

José Juliano de Carvalho – Isso revela a subordinação brasileira na nova divisão internacional do trabalho. A nós coube voltar nossa pauta de exportação para os produtos primários, vendendo etanol, massa de celulose, soja, sempre com pouco valor agregado. Estamos nos colocando não como o país do futuro, mas como subalternos. Continuaremos sendo periferia.

IHU On-Line – Por que os países em desenvolvimento são os que mais utilizam agrotóxicos?

José Juliano de Carvalho – Porque eles são dominados pelas empresas, que têm um domínio inclusive sobre as terras. E a tática que essas empresas usam é do jogo mais baixo possível. Fazem de tudo, até suborno. Isso está ligado ao avanço do capital financeiro em todo o mundo, sendo que esses países vão perdendo a capacidade de fazer política. Eles fazem apenas a pequena política.

IHU On-Line – Quais são as alternativas aos agrotóxicos?

José Juliano de Carvalho – Nós podemos ter uso de química na agricultura, mas tem que ser um uso regulado. O que eu não vejo é alternativa ao modelo do agronegócio. Porque não é um modelo de produção, mas um modelo de domínio econômico, em que nem a reprodução das sementes é mais facultada aos agricultores. Eles têm que pagar pelas sementes e estas implicam no uso do agrotóxico X. É preciso quebrar com o poder de mercado dessas empresas. Um país como o nosso deveria regular a atividade do agronegócio, voltada aos interesses nacionais. Como se podem usar produtos que prejudicam a saúde da própria população trabalhadora? 

Agrotóxico: filho legítimo e reconhecido do agronegócio!

Para quem acha o agronegócio um modelo para a agricultura, José Juliano de Carvalho, professor de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), coloca-se na linha oposta, afirmando que o mesmo coloca a economia nacional subordinada aos interesses de empresas multinacionais, verificando-se esse fato em todo o modelo adotado, no uso indiscriminado de agrotóxicos, na propriedade das sementes e da terra, o que acaba por inviabilizar a agricultura familiar.

Acerca do agrotóxico na agricultura brasileira, não titubeia em denunciar: “o uso de agrotóxicos no Brasil é abusivo, exagerado e incontrolável''.

Constata estarrecido que “os agrotóxicos são usados sem nenhum controle pela sociedade brasileira. Seu uso está sob os interesses do que se chama de agronegócio”.

Além desse fato, já de enorme gravidade, na sua avaliação o que está em jogo não é apenas a inviabilização da agricultura familiar, mas a sua destruição; não apenas pelo uso abusivo e descontrolado do agrotóxico,  mas pelo conjunto do modelo do agronegócio.

Para José Juliano, que possui doutorado em Economia pela USP e pós-doutorado pela Ohio State Univesity, não existe outra medida, a não ser instituir a regulamentação do agronegócio.

“É preciso que se institua a regulação do agronegócio. Senão, pega-se um investimento público feito para a agricultura familiar ou para áreas de assentamento e deixa-se que essa área seja dominada por monoculturas ligadas ao agronegócio, com uso de agrotóxicos, transgênicos, prejudicando assim todas as pessoas que ali estão”.

Essas situações acima mencionadas já foram constatadas no Maranhão, em regiões em que o agronegócio ficou as suas garras, nas seguintes formas:

1 – o próprio IBAMA, que deveria exercer a fiscalização e o controle, já afirmou, diversas vezes em reuniões no Baixo Parnaíba, acerca da impossibilidade de controlar o uso de produtos químicos na agricultura, já tendo sido denunciado esse abuso, para não dizer crime, tanto na região do Baixo Parnaíba, quanto no Cerrado Sul maranhense e nada foi feito;

2 – no município de Buriti existe denúncia protocolada junto ao Órgão do Ministério Público, dando conta de ter havido pulverização aérea de produtos químicos, nos campos de plantio de soja, que chegou a atingir escola e residências, mesmo havendo a proibição expressa em legislação específica de que não se podem fazer pulverizações aéreas junto a cidades, rios e lagos, nem em áreas perigosas, sob determinadas redes elétricas;   

3 – em várias regiões do Estado está se disseminando essa prática de ceder área de assentamento, em regime de comodato, às empresas de plantação de eucalipto e cana de açúcar, para o plantio dessas monoculturas, desvirtuando assim o sentido dos assentamentos e inviabilizando o desenvolvimento da agricultura familiar, colocando em risco a segurança alimentar do país.

Confira a seguir a íntegra da entrevista concedida a Uol, que reproduzimos para leitura e reflexão, com posterior partilha através dos comentários.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Brasil: sociedade privada!

Para dizer a verdade, o escândalo Palocci não passa, lamentavelmente, de um pequeno episódio em longuíssima série de privatizações da coisa pública.

Como não me canso de repetir, Frei Vicente do Salvador, pouco mais de um século após o início da colonização do Brasil, já advertia: “Nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela e trata do bem comum, senão cada um do bem particular”.

Mas o que é, afinal, uma República? Indispensável esclarecer o seu significado, pois, se não me engano, até mesmo o Procurador-Geral da própria o ignora, como se viu do parecer que exarou para o caso Palocci.

Ao contrário do que quase todos pensam e foi divulgado no plebiscito de 1993, república não é simplesmente o oposto de monarquia. República é o regime político no qual o bem comum do povo (exatamente o que os romanos denominavam “res publica”) está sempre acima de todo e qualquer interesse particular. Pouco importa se este último é sério e importante. Se ele entrar em conflito com o bem comum do povo, deve ceder o passo a este.

Desse princípio fundamental decorrem três grandes regras particulares.

A primeira delas – que o indigitado ex-ministro e todos os outros políticos, com raríssimas exceções, desconhecem – é que o titular de um cargo ou função pública não pode exercer, concomitantemente, nenhuma outra atividade econômica profissional e, menos ainda, empresarial. A função pública é de exercício exclusivo, pois o serviço do povo exige dedicação total e o agente é pago com dinheiro do povo.

Por isso, quem acha insuficiente a remuneração pelo exercício de função pública não deve pleiteá-la. Não deve se eleger deputado federal, como fez o Sr. Antonio Palocci.

Mas serão realmente tão mal pagos assim os nossos parlamentares?

Como sabido, para a atual legislatura os deputados federais aumentaram seus próprios subsídios em 60%. Ora, se somarmos o subsídio, a ajuda de custo e mais os recursos destinados à formação do gabinete, chegaremos à modesta quantia de R$129.130,53 (cento e vinte e nove mil centro e trinta reais e cinqüenta e três centavos) mensais. Creio que, com isto, cada ilustre representante do povo tem a certeza de não morrer de fome.

A segunda regra particular decorrente do regime republicano é que os bens públicos, isto é, os bens pertencentes ao povo, não podem ser alienados pelo Estado (que é mero gestor), sem autorização daquele a quem pertencem. Esta regra – totalmente desconhecida na tradição do direito público brasileiro, diga-se de passagem – deve aplicar-se, bem entendido, para a alienação do controle de empresas públicas ou sociedades de economia mista.

Se tivéssemos obedecido a esse mandamento no governo do ex-presidente FHC, teríamos evitado o cometimento de vários crimes contra o patrimônio nacional.

Ora, a obediência a essa regra republicana tem sido largamente desprezada neste querido país, em relação às áreas rurais públicas. Em 2009, durante o governo Lula, uma medida provisória, posteriormente convertida em lei, legitimou o esbulho possessório de uma área de terras públicas na região amazônica, equivalente aos territórios somados dos Estados de São Paulo e Paraná.

Finalmente, a terceira regra particular do regime republicano é a inadmissibilidade da prestação de serviço público por empresas capitalistas, pela boa e simples razão de que o atendimento às necessidades regulares do povo é incompatível com a busca do lucro, visando à acumulação de capital.

Dir-se-á que o Estado é mau gestor dos serviços públicos. Mas então, que se instaurem sistemas democráticos de controle. Que se instituam, por exemplo, ouvidorias populares como órgãos autônomos, com recursos financeiros garantidos e com chefes eleitos diretamente pelo povo.

Na minha incurável ingenuidade, fico imaginando se a difusão de tais idéias entre os jovens não seria capaz de provocar uma saudável rebelião contra os donos do poder, nesta república de fancaria.

Autor: Fábio Konder Comparato, jurista, professor emérito da USP, publicado originalmente no blog Conversa Afiada.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Brasil: um arquivo de escândalos!

Todos os dias somos acordados com um novo escândalo, de quadrilhas que assaltam sem dó nem piedade os cofres públicos, retirando de lá quantias imensas, que certamente, bem aplicadas, serviriam para combater a forma desigual como esse país se construiu.


Essa penca de escândalos de corrupção que sacodem todos os dias a nossa república encontra raízes e explicações em nossa história, no costume feito regra de que o cargo público não passa de uma mina de ouro, um prêmio à pessoa que irá ocupá-lo, que certamente de lá sairá rico.

Caso contrário, o que é raro acontecer, será chamado de “besta” o resto da vida, a começar pela sua própria família, será isolado pelos amigos, correndo o risco de ser tido como louco!

Apesar de ser requisito necessário para ser ocupante de cargo público, a honestidade não é um critério rígido na escolha de representantes políticos, sequer serve como critério de desempate.

No absurdo de haver empate em votos entre Eduardo Suplicy e Paulo Maluf, caso concorressem ao mesmo cargo, o eleito seria o último, pelo critério da idade, muito embora já exista contra o mesmo uma série de informações negativas, entre as quais:

- o neologismo “Malufar”, que significa esperteza, a malandragem mais descarada, o roubo à luz do dia dos cofres do Estado associado à mentira contra todas as evidências;

- uma quantidade significativa de condenações e outra quantidade de processos ainda em tramitação e outros tantos arquivados, pelo fato do mesmo desfrutar do benefício da prescrição pela idade;

- o fato da sua prisão já ter sido decretada em mais de cem países, por lavagem de dinheiro, não podendo hoje mais sair do Brasil.

Como podemos conviver com essa incoerência gritante, quando uma pessoa é tida como bandido em mais de cem países e aqui ela ocupa o cargo público de enorme relevância, de deputado federal, cuja função é elaborar as leis?

Todo esse costume de aceitar esse estado de coisas passa pela compreensão que temos de república, o nosso pouco compromisso com o país, manifestado no nosso comportamento de condescendência, quando não conivência, com os desmandos perpetrados pelas autoridades públicas.

Some-se a isso a ineficiência das instituições estatais, tão céleres na hora de garantir a “presunção da inocência” para os malufes da vida e tão morosa na hora de julgar os inúmeros processos que dormem nos cartórios contra os “ladrões do erário”.

Na verdade esse tipo de comportamento se consolidou e precisa de uma ampla força social para destruí-lo, capaz de engendrar novos valores e responsabilidades, não só na hora da escolha dos representantes, pessoas com novos comportamentos e atitudes, mas, principalmente, no momento mais importante: o exercício constante por parte da sociedade da fiscalização, denúncia das irregularidades e exigência de punição dos culpados.

terça-feira, 19 de julho de 2011

TV Bandeirantes: pau que nasce torto, morre torto!


Há poucos dias atrás a TV Bandeirantes, numa série de reportagens levadas ao ar durante quase uma semana, sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol, novamente aproveitou a oportunidade para atacar a decisão do Supremo Tribunal Federal, que julgou legal a demarcação da área.


Não faltou, é claro, a defesa da classe política do Estado de Roraima, por conta da sua tradicional aliança com os grupos anti-indígenas, e dos rizicultores, bem como o ataque violento dos povos indígenas e da sua luta de uma forma geral.


Não foi outra coisa, a não ser a defesa de interesses de classe travestidos de reportagens jornalísticas, de cunho nitidamente tendencioso, em alguns momentos, segundo nota pública de repúdio, subscrita por entidades da região e nacionais, mentirosas em todos os aspectos que tratam da questão indígena e, mais precisamente, quando aludem aos povos da terra Raposa Serra do Sol.

E quais interesses estão em jogo?

Por que a TV Bandeirantes usa uma concessão pública para a defesa de interesses privados, chegando ao ponto de usar até a mentira, induzindo a opinião pública a formar um entendimento contrário aos povos indígenas e sua luta, pelo simples fato de não dar, no mínimo, espaço para que o outro lado assim se manifeste?

Esse tipo de jornalismo praticado pela TV Bandeirantes não causa nenhuma espécie de espanto, quando se busca conhecer a sua origem e a defesa que sempre fez da propriedade privada, da ordem e da segurança, do ponto de vista não do povo, mas das classes que dominam esse país.

Criada à sombra da ditadura militar, seu fundador foi João Saad, que contou com a ajuda do sogro, Adhemar de Barros, para obter um canal de televisão das mãos da ditadura, sendo inaugurado oficialmente em 1967, na presença do então presidente, o ditador general Costa e Silva.

Aos que não sabem ou não se lembram dessa triste passagem da história do Brasil, João Saad e Adhemar de Barros participaram ativamente da conspiração que deu origem ao golpe de Estado em março de 1964, que instaurou a mais longa e cruel ditadura militar no país.

Na origem desse sistema de comunicação familiar está, então, o político Adhemar de Barros, descendente de um clã tradicional de proprietários rurais de São Paulo, de cafeicultores, muito conhecido pelo seu lema na política  “rouba, mas faz”, o que o levou a ser, posteriormente, cassado pela própria ditadura militar por envolvimento em inúmeros casos de corrupção.

Para que se evidencie melhor o que está em jogo, nada melhor do que relembrar o editorial lido pelo âncora Joelmir Betting, no dia 23 de setembro de 2009, no Jornal da Band.

Naquele dia o Grupo Bandeirantes de Comunicação, proprietário da TV Bandeirantes, utilizou uma concessão pública para fazer a defesa, como há poucos dias, de interesses privados, no caso dos proprietários rurais, entre os quais o próprio grupo, externando o seu pensamento à opinião pública brasileira, de forma clara, sem titubeio, num tom ameaçador, em afronta à decisão do governo em atualizar os índices de produtividade da terra.

Lido num tom de intimidação, não teve receio algum em acusar o então presidente Lula de agir não como presidente, mas como líder de um bando de militantes que muitas vezes atuam como criminosos.

E ameaçou, responsabilizando o presidente e o MST, caso essa “afronta ao trabalho”, essa bandeira insensata prosperasse poderia resultar numa guerra no campo, que poderá se transformar em tragédia.

Tudo porque o governo, depois de anos de hesitação, para não dizer medo, resolveu enfrentar o referido grupo assim denominado de ruralistas, não com armas ou golpes, mas cumprindo a lei federal 8.629/93, que determina seja ajustado, periodicamente, o índice de produtividade da terra, criado em 1975.

E por que tanta violência num editorial?

Não por outra coisa, mas pela defesa dos interesses de classe, entre estes os bens privados da família Saad, proprietária do Grupo Bandeirante, que tem só em São Paulo 16 fazendas, num total de 4,5 mil hectares.

Reação raivosa não sem motivo, uma vez que o índice de produtividade da terra serve para verificar se uma propriedade rural é produtiva ou improdutiva, o que a coloca como passível de desapropriação para fins de reforma agrária, caso fique constatado a sua improdutividade.

A ira tinha como finalidade proteger não a maioria dos proprietários de terra, mas 10% das propriedades rurais do país que, sozinhas, ocupam 42,6% das terras cadastradas pelo INCRA.

Terras, praticamente, do latifúndio improdutivo e temeroso de desapropriação, que encontram no Estado o eterno financiador e pagador de suas dívidas e na imprensa a eterna defensora de sua causa.

À época o Dr. Rosinha, presidente da Frente Parlamentar da Terra no Congresso Nacional, afirmou que a atitude da TV Bandeirantes, através desse editorial, usava a concessão de forma indevida, na sua avaliação soava como um tipo de má-fé de natureza golpista, reacionária.

Afirmou ainda: “Esse editorial, somado à cobertura distorcida feita sobre o assunto pelos veículos do grupo nas últimas semanas, deixa qualquer cidadão horrorizado. Todo telespectador da Band ou ouvinte da BandNews, com alguma informação prévia sobre o tema, logo nota a falta de pluralidade e o ponto de vista enviesado, distorcido. O grupo Bandeirantes acoberta o latifúndio improdutivo e a especulação

Com a sua história vinculada umbilicalmente à ditadura militar, o que permitiu a sua existência e expansão, a TV Bandeirantes não nega a sua origem, ao defender de forma intransigente os proprietários de terra, um dos setores mais atrasados ideologicamente do país, ainda na pele de herdeiros de quem mais escravizou nesse país e mais enriqueceu e enriquece às custas do Estado.

Não se pode esperar muita coisa, principalmente os movimentos sociais indígenas e quilombolas, de um grupo que, além de tudo que se disse, faz homenagem aos bandeirantes, que não passavam de homens financiados por particulares (senhores de engenho, donos de minas, comerciantes) no período colonial, com o único propósito de lutar contra indígenas rebeldes e escravos fugitivos, capturando-os para a escravidão ou dizimando-os, quando estes resolviam não se sujeitar!

Agindo assim, a TV Bandeirantes apenas se mantém fiel às suas origens, na defesa de heranças malditas de um passado que resiste ao tempo, num cenário semelhante, com atores repetindo frases já decoradas pela longa repetição, não servindo para outra coisa, a não ser entravar a criação de uma verdadeira nação.

Nação que se reconheça como de todos, plural e geradora de dignidade, e não propriedade de alguns, que se sentem no direito de pisar e esmagar a maioria, como resposta ao fato de não poder mais escravizá-la.

Nesse particular aspecto, aplica-se muito bem à TV Bandeirantes o ditado popular: “pau que nasce torto, morre torto”.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Os dez mandamentos da autoridade pública

Como uma das bases fundamentais do Estado moderno, a lei não só impôs limite ao poder da autoridade pública. Serviu também para embasar a sua ação e obrigá-la a agir, quando assim determinar.

Assim, desobediência à lei ocorre quando:

a) a autoridade pública viola a lei: não apresenta a prestação de contas, por exemplo;

b) pratica uma ação sem base legal: nomeia pessoa para os quadros do serviço público, sem obedecer à regra do concurso público e/ou a excepcionalidade da contratação temporária;

c) omite-se, quando a lei a obriga a agir, não pratica todos os atos necessários para evitar dano ou se mantém inerte depois da ocorrência do fato: não manutenção de ônibus escolar, filas nos hospitais, etc.  

Anos de luta pelo estabelecimento de um Estado de Direito, que garanta a democracia plena, em um regime republicano, leva-nos novamente a pensar e refletir sobre o papel desempenhado pelas autoridades públicas de nosso país.

Observa-se que para a maioria das autoridades a lei não é o princípio de sua constituição como tal, nem mesmo se sente obrigada a cumpri-la, muito menos ser fiscalizada ou controlada.

Autoridade nenhuma está acima da lei. Ao contrário, está submetida aos seus ditames, aos seus preceitos, pois tal desobediência é um ato atentatório ao Estado Democrático de Direito.

No entanto, aqui a desobediência à lei por parte das autoridades públicas tornou-se um costume, assim como a ausência de punição, lembrança que ainda remota ao triste passado do autoritarismo e do seu pai, o absolutismo, quando a expressão “eu sou a lei” era corriqueira, que os mais cautelosos dos autoritários gostam de afirmar “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, como se não houvesse lei para limitar tal poder.

Diante de tantos abusos cometidos pelas autoridades públicas, não só a afronta a lei, o seu descumprimento puro e simples, mas a prática de irregularidades e crimes, de desobediência a prazos à corrupção deslavada, cada vez mais se torna necessário estabelecer princípios éticos como forma de exigir novos comportamentos para quem quiser ser autoridade em um regime democrático e republicano.

Abaixo, escrito pelo deputado federal Chico Alencar, um decálogo com regras de conduta, que precisam ser divulgadas, debatidas em grupos sociais, escolas, sindicatos e igrejas, como forma de refletir o que temos, a fim de criar campo fértil para surgir o que queremos.

Estes imperativos e proibições orientam para uma prática de vida que pode inibir a sucessão de transgressões à moralidade pública, corriqueira em nossa política contemporânea.

Os ‘Dez Mandamentos da autoridade pública’ nada mais são do que a conjugação de preceitos éticos, legais e culturais na forma de pequeno resumo didático do que melhor se produziu na história da humanidade, na luta do povo em busca da igualdade, liberdade e justiça.

Servem para mostrar aos ocupantes de cargos públicos que eles estão vinculados a preceitos para o bom desempenho de suas funções, que sendo por eles orientados estarão cumprindo os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Boa leitura e reflexão, não se esqueça de compartilhar:

1. AMARÁS A PROMOÇÃO DO BEM COMUM e não dos seus bens patrimoniais – “bezerros de ouro” da prosperidade particular -, com todo o teu coração e entendimento;

2. NÃO PRONUNCIARÁS A EXPRESSÃO ‘INTERESSE PÚBLICO’ EM VÃO, confundindo-a com a idolatria dos negócios privados;

3. GUARDARÁS NÍTIDA SEPARAÇÃO ENTRE DEDICADO TRABALHO E SALUTAR DESCANSO, desfrutando deste sem nenhuma vantagem indevida ou ‘mimo’ interessado derivado daquele;

4. HONRARÁS TODOS OS ANTECESSORES QUE, na vida pública, PRATICARAM A HONESTIDADE, o serviço, a defesa de causas de justiça para as maiorias desvalidas;

5. NÃO MATARÁS A ESPERANÇA DO POVO com práticas que degeneram o sentido maior da política, corrompendo-a pelo poder dissolvente do dinheiro e da hipocrisia;

6. NÃO COMETERÁS ATOS DE PROMISCUIDADE ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO, ao manter relações impublicáveis de intimidade com aqueles que têm interesses em contratos do estado;

7. NÃO ROUBARÁS O ERÁRIO, em nenhuma das variadas e inventivas formas que a corrupção sistêmica criou: tráfico de influência, compras sem licitação, isenções fiscais sem critério, polpudas doações de campanha com retorno em obras públicas superfaturadas;

8. NÃO DARÁS FALSO TESTEMUNHO nem obrigarás sua assessoria de imprensa a mentir para esconder viagens e relações que não resistem à transparência e aos critérios da moralidade administrativa;

9. NÃO COBIÇARÁS, fascinado pela ascensão à vida de luxo e prazeres, o que NÃO TE PERTENCE, nem darás a teus cônjuges, parentes consangüíneos diretos ou amigos privilégios e oportunidades que não são oferecidas às pessoas comuns;

10. ZELARÁS COM RIGOR MÁXIMO PELO PATRIMÔNIO PÚBLICO sobre o qual tens mandato e que transitoriamente gerencias.

sábado, 16 de julho de 2011

Corrupção de papel passado!

Em fevereiro de 2009, foi noticiado pelo blog do jornalista Itevaldo Jr. negócio envolvendo duas candidatas nas eleições de 2008 no município de Conceição do Lago-Açú.


Foi registrado no Cartório Extrajudicial do 2º Ofício, na cidade de Bacabal, em 20 de junho de 2008, Termo de Compromisso de Compra e Venda, assinado pela então candidata a prefeita do município, a pescadora Marly dos Santos Sousa Fernandes, com a professora Josilene Oliveira Correa, negociata que envolveu cargos e recursos públicos, com testemunhas, tudo feito dentro dos “conformes”.

Uma das cláusulas do termo até previa, como manda a lei, o estabelecimento de multa, no caso estipulada em R$ 50.000,00 ( cinqüenta mil reais), em caso de desistência de uma das partes ou o não cumprimento do acordo.

Claro, tudo colocado no papel e registrado para evitar reclamações infundadas depois!

A prefeita concorreu ao pleito de 2008, sendo eleita, pela coligação “Lago-Açu em Boas Mão”.

Como se trata de corrupção, câncer que não está restrito a um local do país, mas em todo o seu território, fato semelhante sempre se pode encontrar nessa terra que precisa deixar de ser a “mãe gentil” para alguns poucos e começar a ser mais rigorosa, aplicar os castigos necessários para acabar com essa impunidade, esse descaramento.

A exemplo do que ocorreu em Conceição do Lago-Açú, dois políticos de um município de Goiás, desconfiados da honestidade de um e de outro em honrar compromisso, decidiram lavrar em cartório uma negociata envolvendo verbas e cargos públicos.

A íntegra da reportagem, de autoria de Alan Rodrigues, encontra-se na edição nº  2174, de 07 de julho de 2011, da Revista IstoÉ, a seguir publicada:


Os políticos brasileiros são, de fato, surpreendentes. Quando se imaginava que pelos corredores da Polícia Federal, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas já haviam se passado toda as formas de corrupção, eis que uma nova modalidade de se locupletar com dinheiro público vem à tona.

Foi na pequena Itapuranga (GO), cidade com pouco mais de 26 mil habitantes, distante 170 km de Goiânia, que o inusitado caso de corrupção apareceu. Ali, nas eleições municipais de 2008, três candidatos disputavam a corrida eleitoral.

As pesquisas mostravam que, um mês antes do pleito, o favorito para a disputa era Jabes Cardoso de Melo (PRB), seguido por Daves Soares da Silva (PTdoB) e em terceiro lugar aparecia Tito Coelho Cardoso (PR), na época prefeito e candidato à reeleição.

Certo de que não conseguiria virar o jogo, Tito retirou sua candidatura para apoiar Daves. Até aí, uma legítima manobra política. O problema é que Tito e Daves uniram-se não só pelas afinidades ideológicas. Entre propostas programáticas e acerto de cargos, uma boa soma de dinheiro também entrou no acordo.

Cientes de que confiar em políticos é no mínimo arriscado, os dois decidiram registrar o compromisso econômico- eleitoral em um cartório da cidade, firmando, assim, o primeiro contrato de papel passado de corrupção que se tem conhecimento.

Composto por quatro cláusulas e oito itens, o documento de duas páginas mostra um fisiologismo sincero. Nele, Tito exige o pagamento pela prefeitura de uma banca jurídica para defendê-lo, “inclusive nos Tribunais superiores”, depois das eleições - ele responde a processos de desvio de dinheiro em programas do governo federal.

Além disso, o ex-prefeito pede duas Secretarias municipais, a eleição da própria mulher, Maria Zélia, para a presidência da câmara legislativa local, no primeiro biênio de 2009, e um cargo para ele junto ao governo estadual. Para completar, Tito demanda oito cargos comissionados na prefeitura para que possa distribuir entre seus aliados.

Além de todas as exigências políticas, há ainda aquelas que envolvem o dinheiro público de forma também bastante franca. 

De acordo com o documento, Tito condiciona o apoio a Daves à liquidação de suas dívidas de campanha, no valor de R$ 100 mil, divididos em duas vezes. A primeira parcela seria paga poucos dias antes das eleições e, a outra, até o final de janeiro de 2009. Ele condiciona o apoio ao pagamento de mais R$ 300 mil, para o segundo semestre de 2009. Não à toa, o prazo para a quitação da dívida corresponde a datas nas quais Daves já tem em mãos as chaves do cofre da prefeitura. 

Para terminar, Tito determina que o potencial prefeito adquira combustível para a frota pública do posto de gasolina que ele irá comprar.

Esse acordo, registrado no Tabelionato 2º de Notas e com firma reconhecida pelo escrivão Jaime Gonzaga Coelho, está sendo investigado no TRE de Goiás e pode terminar com a prisão dos envolvidos além, é claro, da cassação do mandato do prefeito Daves Soares, que nega tudo.

- “Esse documento é falso. É uma ação orquestrada para me incriminar”, defende-se.

Ao contrário do que diz o prefeito, o Ministério Público afirma que o documento é autêntico. O MP constatou que, de fato, quase todas as promessas foram cumpridas por Daves. Até agora, eles já confirmaram o pagamento de R$ 150 mil, além da indicação dos cargos e a eleição da mulher do ex-prefeito à presidência da Câmara de Vereadores. Tito, ao contrário do colega, preferiu não se pronunciar sobre o vantajoso acordo lavrado em cartório.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Operário em construção

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão - 
Era ele quem os fazia 
Ele, um humilde operário, 
Um operário em construção. 
Olhou em torno: gamela 
Banco, enxerga, caldeirão 
Vidro, parede, janela 
Casa, cidade, nação! 
Tudo, tudo o que existia 
Era ele quem o fazia 
Ele, um humilde operário 
Um operário que sabia 
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento 
Não sabereis nunca o quanto 
Aquele humilde operário 
Soube naquele momento! 
Naquela casa vazia 
Que ele mesmo levantara 
Um mundo novo nascia 
De que sequer suspeitava. 
O operário emocionado 
Olhou sua própria mão 
Sua rude mão de operário 
De operário em construção 
E olhando bem para ela 
Teve um segundo a impressão 
De que não havia no mundo 
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

Poesia: Operário em construção - Vinícius de Moraes (1913-1980)
Quadros: Cândido Portinari (1903-1962)
Fotografias: Sebastião Salgado