Injustiça se conhece é andando no mundo, assuntando
e tudo inquirindo, para entender o mundo que aparece e nele construir o mundo
do sonho.
Segundo as histórias do povo, no meio do
mundo perambulam o cão e seus funcionários a fazer malvadeza de todo tipo.
Basta um cochilo do cristão, para que arruínem
a lavra, colocando do avesso as coisas, criando desassossego por onde passam,
transformando a vida em algo perigoso.
Como afirma Riobaldo, personagem de Grande
Sertão: Veredas, obra prima de Guimarães Rosa: “o diabo na rua, no meio do redemunho”.
Afinal, como disse o maior decifrador da alma
sertaneja, “o real não está nem na saída
nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”
E no meio da travessia, entre Pedro do Rosário
e Zé Doca, a uns 6Km do que seria a rodovia estadual 006, das muitas
abandonadas pelo governo, mas recursos foram destinados a sua construção, não
se sabendo ao certo aonde foram parar, fica o assentamento Nova Jerusalém.
Terra prometida que os camponeses se cansaram
de olhar as cercas prendendo-a, bem como das promessas governamentais de
esperar mais um tempo, e resolveram fazer um gesto de libertação, ocupar e construir
ali uma morada da dignidade através da luta organizada dos excluídos.
Onze anos se passaram desde aquela entrada
firme e decidida na terra, onze anos fazem que os governos, federal, estadual e
municipal, revezam-se nos desrespeitos aos direitos e conluiados com políticos
e fazendeiros da região, infernizam, maltratam, dividem e tentam dobrar almas
rebeldes em corpos sofridos pela pobreza e abandono seculares.
Mesmo assim resistem, a exemplo de vários
oprimidos que se envolveram nessas lutas. Muitas dores suportaram, alguns
desistiram, outros cederam, outros ainda mudaram de lado, dizendo preferir
ficar embaixo da árvore que faz sombra, mas outros resolveram enfrentar a dor e
vencer o medo, como grupo unido, árvore altaneira que enfrenta os vendavais.
Talvez essa história nunca seja mencionada
nos livros oficiais, nunca seja ensinada nas escolas, porque os opressores
sempre obrigam os oprimidos a ler as histórias que eles querem contar, história
que mostram os oprimidos sempre sofrendo derrota, sempre se entregando e
clamando perdão.
Mas ali naquele pedaço de chão os oprimidos
resolveram fazer outra história, fincar na terra não a promessa, mas a certeza
de que a dignidade humana se conquista na luta.
A luta, para ser luta, deve ter a sua
parelha!
Se o opressor não desiste do seu desejo de
oprimir, por que o oprimido deve esquecer o seu sonho de se libertar?
Na batalha renhida, aquele que não se entrega
sempre diz com voz firme:”se é de viver
com um olho só, fura logo os dois. Mas não me entrego!”
Do lado do oprimido o sonho, a esperança, o
canto, o riso, a reza, a coragem, a estratégia da desconversa, a invenção de
palavras e sentidos, a madrugada e a sabedoria de vida, tesouros que o fizeram
resistir bravamente durante esses longos anos.
Do lado do opressor, o Incra, a polícia, o
poder judiciário, o ministério público, o governo do estado, a prefeitura e uma
fábrica de mentiras, em que a palavra dada não vale e o que está escrito no
papel pode ter mil interpretações.
Nova Jerusalém para camponeses e camponesas,
pedra no sapato para os opressores, que lhes prometeram o pão que o diabo
amassou, fazer daquela terra exemplo de desolação e humilhação, e não deixar
que sirva de amostra, incentivo e alegria para pobres e oprimidos, perigo que pode
desestabilizar a ordem da injustiça.
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