quinta-feira, 12 de abril de 2018

NÃO É JUSTIÇA: É VINGANÇA!

Parte 1

É a velha e conhecida desforra.
Isso mesmo: recuperar o que foi perdido, "vitória conseguida ao mesmo adversário depois de uma derrota".
A famosa vindita: antes do sangue ser derramado, o sangue preso aos olhos!
Aquilo que faz o pão ficar amargo, o gosto de sangue em qualquer comida, o que força o crime a ser planejado, o gesto moldar-se e ter aparência de civilizado.
Segundo Nietszche, desse desejo nasceram tantas virtudes, entre elas a prudência, o cuidado, a cautela e, quem diria, a paciência.
Ingênuo será aquele que se deixar enganar pelos gestos cordiais do inimigo ou mesmo descansar, contando com o esquecimento.
Aquele que é hostil pensa e planeja tudo, nos mínimos detalhes.
É o lobo que deseja comer o cordeiro, mas para isso precisa encontrar uma maneira e uma justificativa, como forma de esconder aquilo que deseja, com ação imediata tão logo se dê o descuido, a falta de atenção.

Parte 2

A justiça, invenção humana, no seu básico, nada mais é do que uma forma objetiva, clara e pública de impor limites à vingança, estabelecendo regras e procedimentos que, com o passar dos anos, foram sendo ampliados para abranger todas as pessoas.
Enquanto na vingança não existem regras a serem observadas ou cumpridas, ficando à mercê do forte, poderoso ou da autoridade o seu estabelecimento e inspeção.
Isso é um marco histórico, uma passagem de uma forma de organização para outra, mesmo que os controles sejam rudimentares, específicos de cada etapa histórica.
O grande mal, para todos, é o retrocesso, a vingança voltando a ter prevalência sobre os valores, as regras e os procedimentos que identificam o que seja justiça.
O que está acontecendo no Brasil merece séria e detida reflexão, até porque temos pouco tempo de convivência democrática, com leis e regras minimamente estabelecidas exatamente para sairmos de um patamar de organização baseada em interesses privados, de sujeição ao mais forte, poderoso ou rico, para uma sociedade que atenda a todos indistintamente.
Nesse sentido, cabe observar o que vem acontecendo nos órgãos públicos encarregados de aplicar a lei e fiscalizar o seu exato cumprimento.
Não existe o mínimo de equilíbrio ou ponderação e quando existe, não passa de procedimento para burlar a justiça, como forma de aumentar o sofrimento, através da incerteza, daquele que está na posição indesejada e maldita de réu.
É exatamente isso que se passa em nosso país, nesse momento em que os procedimentos e regras, duramente conquistadas, são tornadas peças "para inglês ver", como no passado não tão distante, em que leis contra o tráfico negreiro eram acordadas e aprovadas, mas os juízes e tribunais faziam que não existiam.
Agora não é mais um acordo firmado entre países, com o estabelecimento de lei interna apenas para aumentar o livro das leis.
Trata-se da nossa Constituição, do nosso regramento maior, obra que só foi possível mediante acordos amplos e, ao mesmo tempo, possibilitou uma vivência e respeito numa democracia ainda nova, com apenas 29 anos de existência, mas já convalescente.

E o que deve ser feito para que regras estabelecidas, como forma de evitar a vingança, sejam respeitadas por todos, inclusive pelas autoridades públicas encarregadas não só de fiscalizar, bem como zelar por elas e respeitá-las, já que fizeram juramento para tanto?


Parte 3

Nesse particular aspecto, vamos imaginar que todo magistrado siga o exemplo do juiz Moro, praticante de reiteradas ilegalidades e arbitrariedades, nunca punido, sequer admoestado ou advertido por quem de direito.
É claro que a não punição criará ambiente seguro e propício para o nascimento de seguidores, o estímulo e fortalecimento de práticas arbitrárias daqueles que já procedem assim, num meio onde manifestações de autoritarismo, reacionarismo, vingança e parcialidade manifestam-se com força e copiosamente.


Como dizia o ilustre Cesare Beccaria, no seu livro "Dos Delitos e das Penas",  que um dos maiores entraves ao cometimento de crimes e arbitrariedades não era a crueldade da pena, mas a certeza da sua infalibilidade.
Tradução: não importa a forma ou o tamanho da pena, mas a certeza de que ela será aplicada!
Vamos ao exemplo: um juiz expede uma sentença contra acusado de um crime e, antes deste ser comunicado, a decisão torna-se pública por intermédio dos meios de comunicação e, pior, nas redes sociais, local sem o mínimo de regra de convivência, onde os inimigos do acusado tem amplo acesso e podem lançar qualquer tipo de insulto, ultraje, vileza ou ignomínia. 

Os mesmos meios que publicam a decisão do juiz, saem em sua defesa, considerando apenas as motivações do juiz para condenar, nunca as razões do acusado em sua defesa, com a intenção clara de formar a opinião pública em desfavor deste e arregimentar "partidários" favoráveis àquele, com grupos específicos a defender a tese do magistrado e praticar linchamento público do acusado que, além de tentar se defender nas "vias normais", terá também que se defender da desonra pública a que foi submetido.
Como outros magistrados alimentam os mesmos interesses, já não existindo qualquer regra ou freio, muito menos a certeza da punição, para barrar a prática do ilícito, como advertia Beccaria,  outros juízes e promotores saem em seu socorro, com a produção de encomenda de uma "nota técnica" a favor da sentença, violentando o direito do acusado, forma ilegal de bater e fugir ileso, já que o ordenamento jurídico brasileiro veda ao juiz "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem" (LC 35/70, art. 36, inc. III, primeira parte)
Para que a pressão se mostre resoluta e o crime seja consumado, a ação não pode vacilar: o juiz autor da sentença constrange, junto com outros magistrados, via meios de comunicação, integrantes do tribunal que irão submeter sua decisão a análise, o que acaba tornando esse colegiado, quando não chancelador, com funções mínimas, numa verdadeira perversão da ordem e anulador do princípio do duplo grau de jurisdição, que passa a ser apenas uma mera fantasia nesse baile de máscaras.

Conclusão
Então, perguntas que não querem calar:

- Para que serve, então, a presunção da inocência?
- Qual a validade da segunda instância?
- Para que serviu o direito de defesa, se o meio foi arbitrário, permissivo e degradou a situação do acusado?
- Como defender-se quando as situações não são claras, nem precisas, e as decisões apenas formalizam pré-julgamentos?

Se a regra, em tese, é destinada à proteção de todos indistintamente, a sua violação colocará em risco a guarda e o resguardo de todos.

Atingirá, certamente uns mais do que outros, indubitavelmente os que têm poder, prestígio e riqueza ficarão imunes, mas nada que lhes dê tanta certeza.

O nome desse estágio da humanidade, com todos esses personagens grotescos que nos conduziram até aqui, chama-se vingança.

Na história terá um nome apenas: infâmia!

Jorge Moreno
Juiz de Direito aposentado
Relator de Direitos Humanos dos Fóruns e Redes de Cidadania do Maranhão
Participou do Tribunal Popular do Judiciário do Maranhão (2009) e da Bahia (2011)
Assessor do Julgamento Popular Marcelino Chiarello

Nenhum comentário: