terça-feira, 5 de julho de 2011

Carro novo com peças velhas

Se tivéssemos que comparar o atual contexto político-jurídico do Estado brasileiro, tendo como parâmetro a Constituição de 1988, que instituiu o Estado Democrático de Direito, seria esta analogia: um carro novo, abarrotado de peças enferrujadas, velhas, que impedem o seu uso.

A Carta Política de 1988, que recebeu a denominação de Constituição Cidadã, expressão atribuída ao então presidente da Assembléia Nacional Constituinte, o deputado Ulysses Guimarães, foi sem sobras de dúvidas um marco importante na vida da Republica brasileira, não simplesmente por ser mais um texto jurídico, mas por estar sedimentada, pela primeira vez, nos princípios da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, reconhecendo o povo como o único soberano.

A sociedade civil organizada, os movimentos sociais das mais diversas vertentes, força motriz da democracia brasileira, cumpriram papel preponderante na concretização desse marco legal, grande entusiasmo que levou muitos a acreditar que o carro a partir daquele instante andaria por sua própria conta.

Foi justamente nesse momento que a elite brasileira, as velhas oligarquias (financeira, agrária e industrial), com o oportunismo que lhes é inerente, não recearam em avançar sobre o carro novo, reajustando-o com as peças velhas,  o que acabou por enguiçar o andar da democracia e, por conseguinte, a efetivação  dos direitos fundamentais da cidadania.

E uma dessas peças velhas usadas no carro novo foi exatamente o poder judiciário, último resquício da monarquia, antidemocrático, elitista, parcial, patrimonialista, isso para citar só algumas das suas características. O aparato judicial engessou a democracia brasileira, emperrou a efetivação dos direitos fundamentais, quase sempre em afronta direta aos próprios ditames da Constituição Federal.

Passados alguns anos, constata-se ser o poder judiciário brasileiro o grande entrave na vida da democracia e da república, uma vez que desempenha fielmente o papel delimitado pelas elites dirigentes, pelos “donos do poder”.

Quanto ao poder judiciário maranhense, em particular, os exemplos de conservadorismo, corporativismo, patrimonialismo e elitismo são inúmeros, como se pode constatar no próprio relatório feito pelo Conselho Nacional de Justiça, quando veio ao Maranhão no ano de 2008, bem como os relatos ouvidos pelo Tribunal Popular do Judiciário, realizado por um conjunto de organizações da sociedade civil maranhense no decurso do ano de 2009, ou mesmo pelos escândalos que se tornaram corriqueiros envolvendo membros deste carcomido poder.

Como sabido, o poder judiciário maranhense sempre navegou na ilegalidade, agindo quase sempre como um poder apartado da república, ou mesmo acima desta, distante da realidade do povo, e quando próximo quase sempre para prejudicar os mais pobres e desvalidos.

Exemplos não faltam, basta lembrar as dezenas de casos que envolveram o assassinato de camponeses e militantes sociais, tais como Pe. Josimo, Ferreirinha, Pedro da Vaca e agora, por último do quilombola Flaviano, só para ficar em alguns dos muitos que ensoparam esta terra com sangue na busca incessante por justiça.

 A proteção escancarada de políticos corruptos, em detrimento da moralidade da administração publica e dos direitos humanos, como é o caso dos vinte dois servidores públicos demitidos ilegalmente do município de Lago dos Rodrigues; os casos de perseguições, prisões ilegais, invasões de domicílios e torturas no município de Santa Luzia, assim como a decisão recente do Desembargador Jaime, que desobriga o prefeito de Codó, Zito Rolim, de prestar contas dos recursos públicos para a sociedade, tudo isso é apenas uma amostra do absurdo que virou o poder judiciário, para não dizer trágico exercício de um poder.

Como afirmei acima, enquanto uma parte considerável da sociedade civil organizada acreditou que o momento pós-Constituição seria diferente, que o carro andaria por sua própria conta, o que acabou resultando numa grande ilusão, a outra parcela optou por investir na formação dos “aplicadores do direito”, como forma de interferir no mundo dos bacharéis, o que resultou na criação de um mundo à parte, distante da cidadania, do controle social, reforçando a idéia, por mais estranha e absurda que pareça, de que o mundo jurídico não faz parte da república e somente quem habita nesse mundo conhece e compreende suas regras.

Hoje, outra realidade está posta para a sociedade civil organizada e aos movimentos sociais, qual seja, enfrentar e constranger o poder judiciário, tarefa um tanto árdua, no entanto, necessária e urgente.

Quanto aos meios e mecanismos desse enfrentamento, precisam ser construídos, pois pouco acúmulo de experiências existe nesse campo.

Mesmo as poucas que existem, dirigem-se a reordenamentos internos, no âmbito do próprio poder judiciário, como foi o caso da Emenda Constitucional de nº 45, que instituiu o Conselho Nacional de Justiça, atribuindo-lhe as funções de controle da atuação administrativa e financeira do poder judiciário, bem como o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, dentre outras.

Há tempos os movimentos sociais maranhenses, parcela da universidade e  a Conferência dos Bispos no Maranhão vêm tecendo críticas ao poder judiciário, no seu modo de atuar e julgar processos que envolvam questões sociais e coletivas, alertando para necessidade premente de encontrar fórmulas de controle social do mesmo.

No entanto, foi somente a partir do Tribunal Popular do Judiciário, experiência pioneira realizada no Maranhão, coordenada por um conjunto de entidades da sociedade civil, destacando-se a Cáritas Brasileiras/Ma, Associação de Saúde na Periferia-ASP e os Fóruns e Redes de Cidadania do Maranhão, que se verificou a profundidade do problema, momento em que foi possível concretizar o que antes era critica em algo real, resultando em grande acúmulo sobre o exercício cotidiano do poder judiciário, a sua forma de atuação e como toma as decisões ou o que leva em consideração para tomar suas decisões.

Constatou-se, assim, nas cinco caravanas feitas, que percorreram municípios de todas as regiões do Estado, colhendo-se inúmeros depoimentos, em audiências públicas amplamente divulgadas, que o poder judiciário maranhense, seja de forma comissiva ou por omissão, viola sistematicamente os direitos humanos, com todos os testemunhos filmados, parte de um processo social com fotos, documentos, como cópias de processos, narrando histórias comoventes, que causaram enorme indignação em todos que as ouviram.

Sem dúvida, a realização da plenária estadual do Tribunal Popular do Judiciário, em 01 de dezembro do ano de 2009, foi o ponto alto de um processo de mobilização social, de retomada das lutas sociais.

Principalmente, muito embora se destaque a presença marcante do Ouvidor Nacional dos Direitos Humanos, vinculado à Presidência da República, das representações das entidades nacionais e do maranhão, o mais significativo foi a presença expressiva da cidadania maranhense, de todas as regiões do estado, que arrecadaram recursos para participar desse momento histórico no estabelecimento do controle social sobre uma instituição do Estado brasileiro.

Assim, a sociedade civil maranhense assumiu de vez a proa na condução deste debate, questão fundamental que necessariamente a sociedade brasileira terá que fazer, pois imprescindível à vida da república e da democracia brasileiras.

Quanto aos primeiros resultados, algo que é por demais evidente:  hoje o poder judiciário do maranhão  tornou-se assuntos de todos, objeto de crítica, denúncia, representação, com juízes e desembargadores sujeitos à opinião pública, processados e outros já condenados, por comprovado envolvimento em esquema de venda de liminares, grilagem de terras e de uma infinidade de ilegalidades.

Todavia, a sociedade civil, os movimentos sociais devem assumir a direção desse carro, deixando para trás a infeliz ideia de empurrá-lo, toda vez que enguiça, para assumir de vez a sua direção, tomando as providências de um bom condutor preocupado com o desempenho do veículo: entender que é preciso fazer uma revisão geral, colocar peças novas e retirar as peças enferrujadas, já gastas pelo uso, obstáculos que há anos impedem a participação da cidadania, a garantia dos direitos humanos e o florescimento nessa terra da dignidade da pessoa humana.


Iriomar Teixeira - Assessor Jurídico dos Fóruns e Redes de Cidadania do Maranhão

3 comentários:

Anônimo disse...

Nós temos de trocar é muitos carros velhos, e não só as peças, porque neste judiciário do ma. é coisa séria, não viu o que os des.do TRE, disseram no julgamento do pref.Abnadab?Parabéns pela matéria e vamos acirrar nossa luta vamos continuar cada vez mais unidos.Vamos vencer os poderosos.
genésio
NDDC de S.B.do Rio Prêto.

Ianaldo Pimentel disse...

Companheiros e companheiras desse estado, nós das REDES e FORUNS acreditamos de que possivel trocar as peças dessa rural que atrasa aviagem do povo para uma sociedade justa e fraterna,é preciso abrir novos caminho e conquistar a liberdade,o maranhão, nosso chão de lutar.
REDE DE DEFESA, NÙCLEO DE CANTANHEDE

Anônimo disse...

Com organização e mobilização, vamos sim mostrar que é possivel fazer luta social nesse estado!

Marcia Natalina
Rede de defesa/nucleo v. Grande