quarta-feira, 25 de maio de 2011

Quem não deve, não teme!

Pura sabedoria popular, todos nós já usamos este ditado, quando não, ouvimos alguém falar alguma vez na vida, principalmente os mais idosos e aqueles que sempre fizeram questão de primar pela honra, pela retidão e pelo zelo nos seus negócios.

Na nossa vida particular, no dia-a-dia, via de regra, somos sempre muito severos com nós mesmos ou com àqueles que estão sob a nossa responsabilidade, filhos, netos, irmãos menores de idade.

Fazemos questão de estufar o peito, quando advertimos alguém, e dizer com orgulho: somos pobres, mas honestos!

Isso se expressa em pequenos gestos do nosso cotidiano, visto termos criado uma consciência particular com poucas lições, mas rigorosa, intransigente, de que é feio pegar no que é alheio, de que é errado roubar, de que é indigno conseguir as coisas, se não for através do trabalho.

Assim, sempre que ordenamos alguém ir à mercearia, à quitanda comprar um açúcar, um café ou uma barra de sabão, fazemos a experiência do rigor de logo perguntar, na volta, quanto custou e quanto restou de troco.

E ai daquele que ousar faltar no troco, ainda que haja motivo plausível: hoje recebe uma bronca, uma advertência ou uma recomendação; no passado seria uma surra pedagógica à vista de todos, ante a existência de uma clara linha demarcatória entre honesto e ladrão.

No entanto, o forte rigor na vida privada se enfraquece no espaço público, quase não existindo, transformando-nos em pessoas flexíveis, para não dizer condescendentes!

Quase sempre tratamos o espaço público como espaço de ninguém, sem ordem, sem obrigação, sem controle, sem fiscalização.

Muitas vezes nossa casa, nosso quintal é um brilho, já o lixo acumulado jogamos no meio da rua ou, quando muito, no terreno baldio do vizinho ao lado.

Às vezes danificamos o telefone público, a praça, sujamos a escola, tudo isso sem nenhum peso na consciência, com a sempre exaltada expressão, quando alguém ameaça contestar: isso é público!

Essa mentalidade, esse comportamento de negação do espaço público, tornando-o espaço de ninguém, colabora fortemente com a ideia que as elites brasileiras têm do país, justificando a sua apropriação do Estado e direcionando-o para atender aos seus interesses privados, através de inúmeros esquemas de corrupção existentes, que acabam por moldar o funcionamento das instituições brasileiras.

Assim, os recursos públicos, que deveriam pertencer à coletividade, tornam-se bens do patrimônio particular de alguns poucos, usados para saciar deleites e esbanjar, com a compra de carros de luxo, apartamentos, fazendas, para pagar universidades dos filhos no exterior ou ainda na compra de uísques caros, debitados quase sempre na conta da alimentação escolar, e outra parte serve como garantia das apostas nas noitadas em mesas de jogo de azar, costume público de muitos representantes do povo do Maranhão.

Por seu turno, as autoridades, que têm a justificativa da sua constituição nas leis, que fazem o juramento de defendê-las, ao ocuparem os espaços públicos, sentem-se acima de tudo e de todos.

A lei e o povo tornam-se meros detalhes a serem driblados, enganados, ludibriados, passados para trás e quase sempre, solenemente, pisados e ultrajados.

Diante desse quadro de ilegalidades e ilicitudes, o resultado desse emaranhado de fatores não poderia ser outro: miséria e pobreza na vida diária dos brasileiros, em particular dos maranhenses.

Afeta, sobretudo, o conjunto de direitos que garantem a dignidade da pessoa humana, entre estes: direito à educação de qualidade, à saúde, ao lazer, a alimentação escolar, à previdência social, ao saneamento básico, à moradia, à segurança, ao trabalho.

Ou seja, direitos elementares que toda pessoa tem e deve usufruir para se sentir humano.

Claro está que tais comportamentos, ao inviabilizar a existência do espaço e dos recursos públicos, comprometem a consolidação da democracia, a efetivação das políticas públicas, o respeito aos direitos humanos e  a promoção da dignidade da pessoa humana.

À bem da verdade, a negação sistemática desses direitos e a sua violação cotidiana, quando devidamente investigados, quase sempre nos faz deparar com o desvio, a malversação, a apropriação indevida dos recursos públicos, encontrando essas práticas na corrupção a sua síntese.

A corrupção tem a façanha de mascarar a realidade nua e crua vivida por milhares de pessoas neste país quando, diante de uma situação de violação de direito, faz-nos sentir impotentes e chegamos a acreditar que o abandono é sina que temos que cumprir.

Não percebemos que toda essa realidade é orquestrada e levada a cabo por um grupo muito bem estruturado, que se organiza em quadrilha, cujo objetivo é roubar o dinheiro público, pois encontra na corrupção um meio fácil, uma escada, para enriquecer, mudar de status e adquirir prestígio social.

Se este texto fosse lido por jurista estrangeiro ou enviado a qualquer pessoa que nunca tenha vindo ao Brasil, muito menos ao Maranhão, mas que tivesse a par do nosso sistema legal, Constituição, leis e tratados internacionais de combate à corrupção, certamente me classificaria como louco, revoltado sem causa ou coisa parecida.

Isso quer dizer que o problema aqui não é a ausência de lei ou sua insuficiência, mas a efetividade destas, por culpa única e exclusiva da inércia dos órgãos do Estado responsáveis pela execução das mesmas.

Observamos que muitas vezes esses órgãos, quando atuam, resolvem agir beneficiando os corruptos, contra a lei, em nome de um direito individual qualquer, em prejuízo total da coletividade, criando um sentimento de impunidade, o que, de certa forma, contribui para o aumento da corrupção.

Como contra-corrente a essa avalanche de ilegalidades, a sociedade civil encontra na organização social e nas mobilizações de massa a forma de forjar nova consciência de cidadania.

Exemplo de tal postura têm sido as ações empreendidas pelos Fóruns e Redes de Cidadania encontrados em todas as regiões do Estado Maranhão, que tem no combate implacável à corrupção uma das vias de mudança na vida da república brasileira.

Com ações massivas, como a mobilização em torno da cobrança da prestação de contas, que só este ano articulou em média 60 (sessenta) municípios maranhenses, este movimento conseguiu tornar esse ato uma bandeira de luta social, um exercício concreto de cidadania, uma forma de pensar as políticas públicas e uma maneira de combater de forma eficaz a corrupção.

Algo de curioso, para não dizer falta de escrúpulos, ocorreu neste caso.

Apesar dos prefeitos e presidentes de câmara de vereadores terem entregues suas contas ao Tribunal de Contas do Estado, em abril de 2011, comemorado por este órgão como recorde, o mesmo não se pode dizer da disponibilização das referidas contas para a população, como também determina a lei.

Insignificante o número dos que cumpriram a lei, muito embora prefeitos e presidentes de Câmaras tenham assinado no órgão de contas, na ocasião da entrega, declaração formal afirmando a disponibilidade das contas, numa nítida demonstração de que não têm receio de cometer qualquer crime, pois dificilmente serão punidos.

Nas fiscalizações feitas observou-se que às vezes a nota fiscal existe, está perfeita, tudo certo, mas na realidade o dinheiro dos medicamentos foi para a compra de um carro importado, adquiriu um apartamento de luxo, pagou caixas de uísque 12 anos.

Diante desse fato, uma pergunta se impõe: de que adianta, então, o Tribunal de Contas fazer a análise da prestação de contas, se os principais interessados, que vivem no lugar, não terão oportunidade de verificar a ocorrência na realidade?

Não passará de mero exercício burocrático, trabalho de faz de conta, obra de ficção!

Certamente os corruptos não levariam a vida mansa que levam, expondo publicamente o fruto do roubo, se não contassem com a omissão, a conivência, a cumplicidade, a benevolência e a participação, quem sabe, dos próprios integrantes do Estado.

No entendimento do famoso bandido Al Capone, que colocou em xeque as instituições norte-americanas e  só foi preso e punido devido à criação de força tarefa e leis especiais, o crime compensa, até quando todos puderem ser comprados!

Grande tarefa, então, terá a sociedade civil e os movimentos sociais, a fim de tomar as rédeas da república, no exercício do poder de fiscalização, na denúncia das autoridades envolvidas em atos de corrupção ou omissão das suas funções, no controle e no direcionamento dos recursos públicos para a promoção da dignidade de todos os brasileiros.

Se não for esse o caminho, estaremos fadados ao fracasso enquanto pátria de todos e mãe gentil, sabendo de antemão que única certeza será a chegada da morte, esta, como disse Drummond, vem a cavalo de galope, sem avisar, sem dar tempo de escondê-los vai levando meus amores.


Iriomar Teixeira – Integrante da Coordenação Executiva dos Fóruns e Redes de Cidadania do Maranhão, na qualidade de Assessor Jurídico.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Dinheiro saindo pelo ladrão!


Em matéria publicada no dia de ontem em seu blog, o jornalista  Itevaldo Jr noticia investigações que estão em andamento, feitas por órgãos federais de controle e polícia federal, cujo objetivo é desmontar um esquema escandaloso a envolver deputados, ex-deputados e prefeitos maranhenses.

Em jogo, o financiamento do processo eleitoral, a administração posterior dos recursos públicos, a indicação e provável percentagem nas emendas parlamentares.

Como integrantes desse esquema e dutos por onde são canalizados os recursos para irrigar as campanhas eleitorais, bandos de agiotas.

Não é à toa que comumente se ouve falar que para campanha eleitoral dinheiro não é problema, problema é encontrar voto.

Talvez seja por isso que os prefeitos reclamam tanto da falta de recursos, só vivem com o pires na mão, viajam continuamente para Brasília, em busca de recursos, alegando a insuficiência dos repasses, de que antes de garantir as promessas de campanha, é preciso “arrumar a casa”, atividade doméstica que consome o mandato inteiro.

O crime de usura, mais conhecido como agiotagem, tipificado em lei, não condiz mais com a realidade dos fatos, pois hoje é uma das matrizes do financiamento de campanhas eleitorais, motiva a negociação de emendas parlamentares e sujeita os recursos públicos a enormes desvios, diga-se da saúde e educação principalmente, para pagar de forma criminosa um empréstimo criminoso.

Nesse sentido, a legislação precisa ser alterada, não só com o aumento significativo da pena, como instituindo mecanismos mais modernos para que a investigação e punição do crime alcancem resultados satisfatórios para a sociedade.

Dos órgãos públicos espera-se, principalmente do Ministério Público que recebe dinheiro específico para essa função, que encarem com mais seriedade o processo eleitoral, o seu desenrolar e a prestação de contas final.

As campanhas são milionárias e as prestações de contas apresentadas pelos candidatos, ao final do pleito eleitoral, não passam de obra de ficção, só crendo nelas quem acredita na existência de papai noel, mula sem cabeça e saci pererê.

Para o leitor, um alerta: campanha rica, com muitos gastos, é sinal de endividamento, a ser pago posteriormente, cuja garantia é o dinheiro público, a ser retirado de forma criminosa da saúde, da educação, do saneamento, dos salários dos servidores, para o pagamento da agiotagem.

Ou seja: é um tributo criminoso, retirado de cada política pública, para garantir o pagamento, a alegria e a felicidade do agiota.

Nada melhor do que o poema de Ezra Pound, "com a usura", para se perceber o real alcance desse crime na vida das pessoas, como a tragédia se desenvolve no dia a dia.

A seguir alguns trechos do poema:

Com a usura nenhum homem tem casa de pedra firme
de blocos bem talhados
e bem lisos
para o desenho os recobrir na face,
com a usura
nenhum homem tem um paraíso pintado na sua igreja
...
com a usura, pecado contra a natureza,
o teu pão é feito cada vez com piores farrapos
o teu pão é seco como o papel,
sem trigo da montanha, sem boa farinha
com a usura o traço torna-se grosseiro
com a usura não há fronteiras
e nenhum homem pode achar um lugar para a sua casa.
0 pedreiro fica longe da sua pedra o tecelão longe do seu ofício.
...
A usura mata a criança ainda no ventre
Ela corta a carreira aos jovens
Ela leva à cama a paralisia, ela está deitada entre a jovem desposada e o seu esposo.
A seguir, a reportagem de Itevaldo Jr e a dúvida de quem seria o ex-deputado, hoje prefeito, envolvido em esquema de agiotagem, sob a mira da Polícia Federal.

Os Cheques e os Deputados
Por Itevaldo Júnior
www.Itevaldo.com

Investigações de órgãos federais de controle e da polícia analisam a movimentação financeira das contas de 10 prefeituras maranhenses, que tinham [e têm] talões de cheques assinados pelos prefeitos em poder de deputados e de ex-deputados estaduais.

O uso de cheques das prefeituras – alguns de contas-convênio de programas federais – por parlamentares estaduais, pôs na lista de investigados cinco parlamentares com mandato e três que são ex-parlamentares, um deles é hoje prefeito.

Os cheques foram utilizados no pagamento de negócios diversos. Alguns deles negociados por agiotas que ‘financiam’ as campanhas parlamentares.

Dois parlamentares ‘guardam” consigo, talões de cheques de duas prefeituras distintas. Um deles está com todos os cheques assinados pelos dois prefeitos.

Chegou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) um ‘pedido de informações’ sobre algumas das contas dos deputados estaduais.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

O dia em que o prefeito legislou em causa própria!


À primeira vista parece contraditório o título: é possível o chefe do poder executivo municipal legislar, ou seja, fazer leis propriamente ditas?


Não seria algo incompatível, uma aberração jurídica, uma usurpação de competência além de ser um atentado claro à nossa Constituição?

Quem não se lembra dessa lição, desde cedo ensinada na escola, sobre a teoria da separação dos poderes?

Elaborada por Charles de Montesquieu, de formação iluminista, um crítico severo e irônico da monarquia absolutista decadente do século XVIII.


Na sua visão, uma das formas de evitar o despotismo é a limitação ou regulação do poder estatal, dividindo-o em três formas, separando-o por funções, para que um limite e controle o exercício do outro.

Assim, no seu entendimento, o poder estatal seria dividido em três poderes, cujas funções fundamentais seriam: executar as leis (Executivo), elaborar as leis (Legislativo) e julgar o cumprimento das leis (Judiciário).

Para essa teoria, a concentração de poder nas mãos de uma só pessoa leva, inevitavelmente, ao cometimento de toda espécie de crime.

Principalmente porque conduz ao despotismo e ao enriquecimento à custa do erário. Enquanto aquele retira direito e perverte a ordem, este torna o Estado uma associação de malfeitores, impondo sofrimento e sacrifícios aos mais pobres, estopim para desencadear um processo de desordem social.

Por isso essa prática deve ser considerada como uma forma de usurpação e deve ser combatida com o máximo de rigor.

Apesar de longa data e de estar presente em todas as constituições brasileiras, ainda existem exemplos atuais de afronta a essa teoria.

Um dos exemplos aconteceu no município de Anajatuba, protagonizado por Nilton da Silva Lima Filho, atual prefeito.

Ao prestar contas do exercício financeiro de 2005, o referido prefeito teve as suas contas desaprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado.

Motivo: Nilton Lima abriu créditos suplementares acima do limite legal, totalizando o valor de R$ 1.752.198,20 ( um milhão, setecentos e cinquenta e dois mil, cento e noventa e oito reais e vinte centavos), que corresponde a 16,81%  acima do limite autorizado por lei municipal.

Devidamente notificado da prática irregular verificada, o prefeito apresentou, em sua defesa, cópia de uma lei municipal, nº 005/2005, em que baseou o seu ato, pois esta norma alterava o limite para abertura de créditos suplementares, de 50% para 80%.

Tudo certo, se o TCE/MA não tivesse constatado, após apuração devida, que a tal lei nunca existiu.

Em outras palavras: a lei apresentada pelo prefeito era falsa, nunca havia sido objeto de tramitação ou discussão legislativa na Câmara de Vereadores de Anajatuba.

Ou seja, para se defender de um ato praticado por si de forma irregular, Nilton Lima praticou outro ato irregular, dessa vez mais grave, pois atentatório a um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito: a separação dos poderes.

Fabricou ilicitamente documento público, para se livrar da conduta infratora de fazer despesas em desacordo com a lei.

E quais as medidas tomadas pelos órgãos públicos como forma de reprimir esse ataque de Nilton Lima ao Estado Democrático de Direito?

Muito embora o TCE/MA tenha publicado a decisão em 2009, somente agora, precisamente 12 de abril de 2011, o Ministério Público resolveu ajuizar ação civil pública por ato de improbidade administrativa, que poderá resultar para Nilton Lima, em perda do cargo e inelegibilidade, entre outras sanções.

Como o prefeito tem foro privilegiado, uma das inúmeras aberrações do nosso sistema jurídico e uma das causas de impunidade em nosso país, aguarda-se com ansiedade o dia em que a Procuradora-Geral de Justiça resolverá propor as ações penais respectivas contra o referido prefeito, para que a sua condenação sirva de exemplo e iniba práticas semelhantes.

Quanto à Câmara de Vereadores de Anajatuba, que teve a sua competência usurpada pelo prefeito, por enquanto não tomou nenhuma providência, apesar ter ciência de que a conduta de Nilton Lima constitui infração político-administrativa, prevista no Decreto-Lei 201/67.

Deve ser pelo fato de não enxergar nessa conduta algo tão grave que mereça atenção dos vereadores ou pelo fato de quatro, entre os nove vereadores, terem negócios explícitos com a prefeitura de Anajatuba, na atual gestão.

Para o iluminista Montesquieu, autor do clássico “O Espírito das Leis”, livro que revolucionou e influenciou sistemas jurídicos em todo o mundo, leitura obrigatória nos cursos acadêmicos de Direito, Nilton Lima deve sentir a mão pesada do Estado.

Baseia-se o seu entendimento numa verdade: as autoridades não podem promover a desordem, praticar condutas desonrosas, concentrar em suas mãos o poder, pois constituem resquícios da abominável da era despotismo.

Para Montesquieu, sem titubeio, a condenação de Nilton Lima é certa, bem como a sua destituição do cargo e consequente inelegibilidade.

Agora, em relação aos órgãos da justiça, espera-se que tenham lido Montesquieu!

Dificuldade de governar

Todos os dias os ministros dizem ao povo 
Como é difícil governar. Sem os ministros 
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima. 
Nem um pedaço de carvão sairia das minas 
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda 
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra 
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se-ia a nascer o sol 
Sem a autorização do Führer? 
Não é nada provável e se o fosse 
Ele nasceria por certo fora do lugar. 


E também difícil, ao que nos é dito, 
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão 
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem. 
Se algures fizessem um arado 
Ele nunca chegaria ao campo sem 
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem, 
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que 
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural? 
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas. 


Se governar fosse fácil 
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer. 
Se o operário soubesse usar a sua máquina 
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas 
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários. 
E só porque toda a gente é tão estúpida 
Que há necessidade de alguns tão inteligentes. 


Ou será que 
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira 
São coisas que custam a aprender?



Bertold Brecht (1898-1956) -  foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. É um dos escritores fundamentais deste século: revolucionou a teoria e a prática da dramaturgia e da encenação, mudou completamente a função e o sentido social do teatro, usando-o como arma de consciencialização e politização.

domingo, 22 de maio de 2011

Escutai: nada é impossível de mudar!

Apesar de estarmos num regime republicano, há mais de cem anos proclamado, permanece ainda viva a cultura monárquica em nossas instituições e na nossa vivência diária.
Das instituições estatais, o poder judiciário é, sem sombra de dúvida, o mais monarquista de todos, o último bastião da monarquia em nosso país.
Dificilmente o nosso país será republicano, observando todos os seus princípios, se não houver uma mudança radical no poder judiciário, suas atribuições, comportamentos, hábitos e atitudes.
Abaixo artigo de Fausto Rodrigues de Lima, promotor de Justiça do Distrito Federal, em que analisa, a partir da linguagem e das práticas do judiciário, o quanto de preconceito e discriminação, resquícios ainda da monarquia, sobrevivem no cotidiano da cidadania.
Leia e socialize as suas reflexões, para que juntos possamos construir uma nova e verdadeira república: sem proprietários, sem distinção, sem ninguém acima da lei!
Boa leitura!

Chega de Excelências, Senhores!

Um juiz do Paraná desmarcou uma audiência porque um trabalhador rural compareceu ao fórum de chinelos, conduta considerada “incompatível com a dignidade do Poder Judiciário”.
Não muito antes, policiais do Distrito Federal fizeram requerimento para que fossem tratados por “Excelência”, tal qual promotores e juízes.
Há alguns meses, foi noticiado que outro juiz, este do Rio de Janeiro, entrou com uma ação judicial para obrigar o porteiro de seu condomínio residencial a tratar-lhe por “doutor”.
Tais fatos poderiam apenas soar como anedotas ridículas da necessidade humana de criar (e pertencer a) castas privilegiadas. No entanto, os palácios de mármore e vidro da Justiça, os altares erguidos nas salas de audiência para juízes e promotores e o tratamento “Excelentíssimo” dispensado às altas autoridades são resquícios diretos da mal resolvida proclamação da República brasileira, que manteve privilégios monárquicos aos detentores do poder.
Com efeito, os nobres do Império compravam títulos nobiliárquicos a peso de ouro para que, na qualidade de barões e duques, pudessem se aproximar da majestade imperial e divina da família real.
Com a extinção da monarquia, a tradição foi mantida por lei, impondo-se diferenciado tratamento aos “escolhidos”, como se a respeitabilidade dos cargos públicos pudesse, numa república, ser medida pela “excelência” do pronome de tratamento.
Os demais, que deveriam só ser cidadãos, mantiveram a única qualidade que sempre lhes coube: a de súditos (não poderia ser diferente, já que a proclamação não passou de um movimento da elite, sem nenhuma influência ou participação popular).
Por isso, muitas Excelências exigem tratamento diferenciado também em sua vida privada, no estilo das famosas “carteiradas”, sempre precedidas da intimidatória pergunta: “Você sabe com quem está falando?”.
É fato que a arrogância humana não seduz apenas os mandarins estatais. A seleta casta universitária e religiosa mantém igualmente a tradição monárquica das magnificências, santidades, eminências e reverências. Tem até o “Vossa Excelência Reverendíssima” (esse é o cara!).
Somos, assim, uma República com espírito monárquico.
As Excelências, para se diferenciarem dos mortais, ornam-se com imponentes becas e togas, cujo figurino é baseado nas majestáticas vestimentas reais do passado. Para comparecer à sua presença, o súdito deve se vestir convenientemente. Se não tiver dinheiro para isso, que coma brioches, como sugeriu a rainha Maria Antonieta aos esfomeados que não podiam comprar pão na França do século 18.
Enquanto isso, barões sangram os cofres públicos impunemente. Caso flagrados, por acaso ou por alguma investigação corajosa, trata a Justiça de soltá-los imediatamente, pois pertencem ao mesmo clã nobre (não raro, magistrados da alta cúpula judiciária são nomeados pelo baronato).
Os sapatos caros dos corruptos têm livre trânsito nos palácios judiciais, com seus advogados persuasivos (muitos deles são filhos dos próprios julgadores, garantindo-lhes uma promiscuidade hereditária), enquanto os chinelos dos trabalhadores honestos são barrados. Eles, os chinelos, são apenas súditos. O único estabelecimento estatal digno deles é a prisão, local em que proliferam.
A tradição monárquica ainda está longe de sucumbir, pois é respaldada pelo estilo contemporâneo do liberal-consumismo, que valoriza as pessoas pelo que têm, e não pelo que são.
Por isso, após quase 120 anos da proclamação da República, ainda é tão difícil perceber que o respeito devido às autoridades devia ser apenas conseqüência do equilíbrio e bom senso dos que exercem o poder; que as honrarias oficiais só servem para esconder os ineptos; que, quanto mais incompetente, mais se busca reconhecimentos artificiais etc.
Numa verdadeira República, que o Brasil ainda há de um dia fundar, o único tratamento formal possível, desde o presidente da nação ao mais humilde trabalhador (ou desempregado), será o de “senhor”, da nossa tradição popular.
Os detentores do poder, em vez de ostentar títulos ridículos, terão o tratamento respeitoso de servidor público, que o são. E que sejam exonerados se não forem excelentes!
Seus verdadeiros chefes, cidadãos com ou sem chinelos, legítimos financiadores de seus salários, terão a dignidade promovida com respeito e reverência, como determina o contrato firmado pela sociedade na Constituição da República.


Abaixo as Excelências!

Fausto Rodrigues de Lima , 36, é promotor de Justiça do Distrito Federal.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Todo o poder emanda do povo

Em artigo postado no sítio Terra Magazine, o ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo, traz para a discussão pública a questão da forma de preenchimento dos cargos do Poder Judiciário, que no seu entendimento já deveria contemplar a via do sufrágio (eleitoral) como maneira de legitimar a escolha.

No Maranhão, bom que se frise, as entidades organizadoras do Tribunal Popular do Judiciário não ousaram somente no que diz respeito à forma como os casos de violação foram colhidos junto ao povo, à metodologia de trabalho, capaz de propiciar grandes mobilizações pelo Estado todo, incluindo a temática como um dos pontos centrais do enfrentamento da sociedade civil na construção de um país verdadeiramente democrático.

Também ousaram em abrir debate sobre a legitimidade do Poder Judiciário, até agora único poder alheio à vontade popular, funcionando desvinculado do soberano, o povo, sujeito de onde deriva todo e qualquer poder num regime democrático, segundo a nossa carta magna.

Esse debate é, nesse instante, crucial para os que defendem um re-ordenamento das instituições republicanas, não só para garantir a mais  ampla participação popular nos destinos do país, como também elevar  o Estado brasileiro à categoria de protetor, defensor e promotor dos direitos humanos.

Para a direita brasileira e os conservadores em geral esse debate não interessa, uma vez que se sentem proprietários seculares dos cargos do Poder Judiciário brasileiro, apenas afirmando, antes do silencio, de que a soberania popular não o alcança, sendo incompatível a escolha de juiz pelo povo, residindo um preconceito de que esse tipo de escolha mancharia o exercício da jurisdição.

Quanto à esquerda e aos progressistas em geral, resta a perplexidade, a falta de acúmulo de discussão e a cômoda defesa do atual modelo, eivados que estão do preconceito da direita, restando o oportunismo na ocupação do Estado a partir de acordo com as elites.

Como ninguém até aqui se apresentou de forma corajosa nesse debate, eis abaixo o artigo de Cláudio Lembo, um liberal que busca nas iniciativas bolivianas motivos para questionar a estrutura do Estado Brasileiro, vendo com bons olhos a novidade.

Boa leitura e boa discussão.


Eleição para juízes. Por que não?

Fizemos nossa reforma. Poucas foram as consequências. Criaram-se mais organismos. Alargou-se a burocracia. De prático e sensível, pouco se obteve.

Fala-se, aqui, da Reforma do Judiciário. Aquela da Emenda 45 à Constituição Federal. As intenções eram muitas. A realidade mostrou-se avara.

Os operadores do Direito se encontram extenuados. Os jurisdicionados – em condições de procurar a Justiça – desencantados. Um processo judicial é mais demorado que uma longa vida.

Os resultados aleatórios. A jurisprudência, até ser harmonizada, demora anos. Os tribunais dos estados federados mostram-se autônomos. Atinge- se o equilíbrio só quando os tribunais superiores da União se pronunciam.

É preciso ter paciência. E bons advogados. Estes só se mostram disponíveis para os clientes economicamente fortes. A maioria da sociedade fica, pois, marginalizada.

O acesso à Justiça é direito constitucional. É risível. Não basta ingressar nos tribunais. É necessária a paridade de armas. A diferença é brutal entre a cidadania e os grandes grupos ou os entes governamentais.

O cidadão sem nome está fadado ao ostracismo judicial. Fica fora do jogo. Não tem condições mínimas de estar em Juízo. E mais. Ingressar-se com uma ação, implica na procura de uma tortura moral.

O processo brasileiro é fruto de personalidades presas a valores europeus. Foram à Itália, à Áustria e à Alemanha e recolheram elementos da lei processual desses países.

Outras realidades. O processo, em seus primórdios, foi imaginado a partir dos atos previstos nas atividades inquisitoriais. Para o Santo Ofício da Inquisição, manter o réu vinculado ao processo era forma de suplício.

Podiam os inquisidores obter confissões e arrecadar custas e bens do réu indefeso. Era exatamente o que desejava a máquina inquisitorial. O processo atual, em pleno estado laico, recolhe seus parâmetros naqueles procedimentos.

A Reforma do Judiciário, contida na Emenda 45, foi elaborada com alto grau de elitismo. Não se aprofundou na realidade efetiva da Justiça brasileira, que deve ser examinada e alterada.

O tema é recorrente. Volta, agora, à tona em razão de reforma do Judiciário proposta pelo governo da Bolívia. Evo Morales, este conhecido presidente da República, em sua visão popular, faz afirmações contundentes e espalhafatosas.

Diz ser o Judiciário boliviano fruto direto do colonizador. Nada tem em comum com a sociedade. Esta pode ser uma visão simplista da realidade institucional boliviana.

Contém, contudo, espaços de verdade. O formalismo e a excentricidades do processo – por toda a América Latina – demonstra que os acadêmicos não se preocuparam em captar valores e tradições nacionais autênticos.

Desejavam os processualistas apenas expor uma erudição vaidosa e repleta de orgulho. Iam aos códigos europeus e os transplantavam sem qualquer preocupação de ver rejeitadas suas elucubrações.

Ai de quem ousasse se opor à cultura jurídica dos antigos catedráticos das velhas escolas de Direito. Seria marginalizado e indigno de convívio social. Ficaria fora do sistema.

Processualista bom era processualista capaz de citar os clássicos sem qualquer traço de crítica. Tal como desejava a escolástica presente no pensamento dos “sábios” de outras épocas.

Morales, em suas provocações, quer mais. Deseja que os membros das altas cortes sejam escolhidos – em eleições – pelo povo. Parece estranho e arrojado.

Mas, seria cabível que os juízes escolhidos por recomendação do Executivo passassem pelo crivo da vontade popular. Por que não? Certamente, poderia surgir um Cacareco. Mas, em compensação, muitos bajuladores de ocasião estariam afastados da nobre missão de julgar.

Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.

sábado, 14 de maio de 2011

Às providências cabíveis, autoridades!

Em investigação feita a partir de denúncia da comunidade sobre o funcionamento do sistema de saúde pública do município de Belágua/Ma, constatou-se que o médico Carlos Augusto do Couto Costa trabalhava, acredite se quiser, 124 horas semanais, distribuídas da seguinte forma:

- 40 horas no posto de saúde do piquizeiro/PSF/Município de Belágua/Ma;
- 40 horas no posto de saúde do sítio do meio/PSF/Milagres/Ma;
- 44 horas em dois Estabelecimentos de Saúde Pública de Recife/Pe.

Tal notícia foi veiculada no dia 28 de março, neste espaço, sob o título “Há algo de podre no reino da Dinamarca”, com posterior comunicação aos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização, uma vez que os dados divulgados foram colhidos do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES.

Qual foi a reação da gestão do setor de saúde pública de Belágua, a cargo dos parentes Adalberto do Nascimento Rodrigues e Thamara Rodrigues Pestana, respectivamente prefeito e secretária de saúde?

Muito embora o cadastro do médico estivesse atualizado até o dia 21/03/2.011, procederam à demissão do referido médico, com data retroativa a 01/03/2.011. (clique aqui para ver)

A segunda, poucos dias após a denúncia, foi encaminhar outro médico ao posto de saúde do Piquizeiro,  para fazer o atendimento à população, que já estava muito tempo prejudicada em seu direito.

Crentes na impunidade e confiantes de que “em terra de cego quem tem um olho é rei”, o prefeito e a secretária de saúde de Belágua resolveram “contratar” o médico Paulo Henrique Pinto Berredo, para atender no posto de saúde do Piquizeiro.

Acontece que Paulo Henrique, segundo informações colhidas no Ministério da Saúde, já tem, fora o expediente em Belágua, carga de trabalho de 86 horas semanais, distribuídas da seguinte forma (clique aqui):

- 34 horas de carga ambulatorial no Hospital Cassiana Magalhães, em São Benedito do Rio Preto;
- 40 horas como médico do Posto de Saúde São José/PSF, no município de Urbano Santos;
- 12 horas de carga ambulatorial no Hospital Antonio Pontes de Aguiar, em Chapadinha

Talvez seja por isso que o mesmo, quando chegou ao posto, foi logo avisando que só atenderia a população às quartas-feiras pela manhã.

Quanto ao médico Carlos Augusto, até então fantasma, apareceu no dia 25 de abril de 2.011 em Belágua e, com a cara de que o crime compensa, começou a trabalhar na Unidade Mista Deputado Albérico Filho, dando plantão sexta, sábado e domingo.

Verificando o cadastro dos profissionais da área de saúde de Belágua, no CNES, não consta nem o nome de Carlos Augusto como lotado na  Unidade Mista de Belágua, nem de Paulo Henrique como prestando serviço do posto do Piquizeiro.

Eis mais um fato assustador do ex-fantasma Carlos Augusto: não se sabe como, mas ele continua ainda cadastrado, com vínculo empregatício e tudo, no município de Milagres/Ma e em dois estabelecimentos de saúde de Recife/Pe (clique aqui).

Ou seja, ele foi demitido só de agá de Belágua, quando na verdade continua trabalhando nos quatro estabelecimentos de saúde pública como se nada tivesse acontecido, como se não estivesse em flagrante irregularidade.

Pela legislação, crime!

Para esse tipo de caso, muito bem se aplica o ditado popular: pau que nasce torto morre torto!

Quanto ao Ministério da Saúde, resolveu abrir investigação em relação ao Posto de Saúde do Piquizeiro/Belágua (clique aqui), do Sítio Novo/Milagres (aqui) e os Estabelecimentos de Saúde Pública de Recife/Pe (aqui e aqui), por descumprimento do art. 5º, Portaria MS/SAS 134/2011, que determina:

Art. 5º Para o profissional pertencente à equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF), além do cumprimento do disposto no Art.2º desta Portaria, ficam estabelecidas as seguintes regras:

I - Fica vedado seu cadastramento em mais de 01 (uma) equipe da ESF;

II - Para o cadastramento deste profissional em mais de 03(três) estabelecimentos de saúde, independentemente da sua natureza, deverá haver justificativa e autorização prévia do gestor municipal, estadual ou do DF em campos específicos do SCNES.

Segundo determina no art. 2º, da mesma Portaria, fica proibido o cadastramento no SCNES de profissionais de saúde em mais de 2 (dois) cargos ou empregos públicos, conforme disposto no Art. 37, inciso XVI, alínea 'c', da Constituição Federal de 1988.
  
Claro está para todos que essas flagrantes irregularidades, diga-se de passagem, criminosas, não estão acontecendo sem a complacência e a conivência da gestão da saúde pública de Belágua e dos órgãos responsáveis pela fiscalização.

É preciso que o Ministério da Saúde, a Controladoria Geral da União, o Ministério Público Estadual e Federal e a Polícia Federal tomem uma atitude rigorosa, em relação ao médico Carlos Augusto e aos gestores do sistema de saúde pública dos referidos estabelecimentos de saúde, principalmente os do município de Belágua, pois estão rasgando a lei, pervertendo a ordem e não podem ficar assim, de forma impune.

Mãos à obra, senhores!

terça-feira, 10 de maio de 2011

O povo maranhense diz: ninguém calará nossa voz!

- Estou hoje aqui para dizer o que estou sentindo. A dor que está no meu coração é tão forte, que tem hora que penso que não vou aguentar. Perdi meu filho, que tanto amava, porque não tive ajuda. Hoje quero denunciar, todo mundo dizia para ficar calada, que eu pobre não podia enfrentar essa gente grande. Mas hoje estou aqui, a dor que sinto é maior que o medo e a vontade de fazer justiça é mais forte. Eu quero justiça!

- Minha raiva é muita com tanto roubo. Esse bando de gente tem de ser presa, ir para a cadeia,  pois prejudicam a comunidade. A estrada que existe lá na minha comunidade, que está aí paga na prestação de contas como feita pelo prefeito, fomos nós que fizemos, a comunidade que fez, cada um trabalhando de forma voluntária.

Depoimentos como estes acima postos, o primeiro colhido em Belágua, o segundo em São Benedito do Rio Preto, com tanta carga de sentimento de revolta e indignação, marcaram no dia de hoje, dez de maio, o início das audiências públicas que serão feitas em 60 municípios maranhenses.

Idealizadas pelos Fóruns e Redes de Cidadania,  cujo objetivo é ouvir a população sobre os casos de violação de direitos humanos, a iniciativa pretende reunir o máximo de casos, com depoimentos e provas, uma espécie de Inquérito Popular, para encaminhá-los ao Ministério Público e aos demais órgãos do Estado, como Controladoria Geral da União e Polícia Federal, para que abram procedimentos de investigação.

Todas as audiências serão temáticas, escolhidas pelo núcleo local, para refletir sobre os problemas que mais afetam a população.

Coincidência ou não, mesmo os municípios sendo de diferentes regiões do Estado, a maioria dos núcleos municipais escolheram saúde e educação como os principais direitos da população que são violados em território maranhense cotidianamente.

Em Belágua reuniram-se mais de 130 pessoas, de diferentes povoados, de funcionários públicos a lavradores, todos dispostos a denunciar as injusticas praticadas na área da saúde pública, faltando foi tempo para ouvir tantas histórias que causaram revolta em todos os presentes. 

Em São Benedito do Rio Preto, o auditório do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais ficou pequeno, para caber tantas pessoas, contabilizando mais de 300 participantes,  populares de diversos povoados e dos bairros da sede, que estavam ansiosos para falar sobre os casos de corrupção na Administração Pública municipal.

No rosto de cada homem, de cada mulher, a nitidez do sofrimento, provocada pela violação do direito. O quanto a dor do abandono pelo poder público envelhece as pessoas, fere a dignidade, rouba o que pode melhorar a existência humana.

No entanto, nos dois municípios se observou que, passado o instante misto de curiosidade, perplexidade e assombro, pela discussão inusitada, para muitos pela primeira vez, não deu outra,  o povo se soltou e começou a reclamar, pelo fato das coisas demorarem tanto, dos órgãos do Estado não funcionarem, do próprio povo se acomodar, não lutar pelo seu direito.

No final, quando a coordenação do evento falou que aqueles depoimentos seriam encaminhados  aos órgãos do Estado, em forma de representação e que esta precisava ser assinada, todos levantaram as mãos, numa afirmação de que não fugirão à luta e cobrarão até o final a apuração de cada caso denunciado.

Povo maranhense é assim: primeiro desconfia, depois assunta, por fim fala.

Se der corda, começa logo a exigir.

E é isso que as audiências públicas querem despertar e afirmar como atitude de cidadania: o sentimento de exigir o direito, para podermos ficar de pé.

Foi esta lição que o povo maranhense mostrou hoje ser possível!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Maranhão: grande laranjal

Todos os anos, contingente considerado de maranhenses migram para outros estados do país, principalmente tendo como destino o interior de São Paulo, à procura de emprego nas fazendas de plantação de laranja.

O que eles não sabem, no entanto, é que aqui em solo maranhense tem uma plantação gigante de laranjas. Pelo fato dos frutos não serem colhidos, nem as árvores cortadas ou podadas, cresce de forma quase incontrolável, tornando infértil essa terra que já foi considerada em outros tempos a terra da promissão.

Não se trata, no entanto, do fruto cítrico, mas de pessoas em nome de quem são direcionados o dinheiro público surrupiado e o patrimônio adquirido com ele.

Para se ter uma idéia do que isso significa eis abaixo texto de Welliton Resende, auditor da Controladoria Geral da União, administrador do Blog do controle social.

No artigo posto comenta sobre a operação realizada no município de Barra do Corda, com prisões decretadas de diversas pessoas, entre elas o prefeito do município, Manoel Mariano de Sousa, apelidado de “Nenzim”, pai do Deputado Estadual Rigo Teles, ambos do Partido Verde.

Observa que uma das práticas investigadas consiste na utilização, pelo submundo da corrupção e da lavagem de dinheiro, de um intermediário, identificado nas diligências policiais como “laranja”, receptor dos recursos públicos desviados, constando quase sempre em seu nome patrimônios adquiridos e não declarados pelos acusados de corrupção.

E como identificar essas pessoas?

Primeira coisa é compreender que se trata de uma ação empreendida por uma organização criminosa, uma quadrilha incrustada no Estado brasileiro, com ramificações e poder de influência, com voz de comando, estrutura, hierarquia, objetivo, chefia de atos,  plano de ação, divisão de tarefas e repartição do resultado do crime.

Segundo, envolve todos os atos da administração pública, iniciando com a eleição, passando pela estruturação do secretariado, na formação dos conselhos, nas licitações e assim por diante.

Quase sempre os mesmos que constam na prestação de contas eleitoral, como financiadores e fornecedores, integram o secretariado, compõem órgãos de conselho, ganham as licitações.

No Maranhão, em quase todos os municípios, pessoas aparecem com fortunas conseguidas da noite para o dia, sem alguma explicação razoável e, por coincidência, quase sempre são próximas dos gestores públicos de plantão.

Na identificação dessas pessoas, todos os meios lícitos devem ser utilizados, bem como a colaboração da população e das entidades da sociedade civil organizada.

Vamos à leitura do texto, considerando importante identificar se no seu município existe esse tipo de pessoa indicada:

A última operação especial realizada, em Barra do Corda (MA), pela CGU e pela Polícia Federal chamou a atenção de todos em um aspecto. Apenas duas pessoas chegaram a desviar R$ 50 milhões dos cofres do município.

Foram desviados recursos das áreas de Saúde, Educação, Assistência Social e Convênios.

Nesta mesma operação, foram apreendidos um avião bimotor, um helicóptero, carrões importados, e jóias de luxo como relógios Rolex, Bulgari e Ferrari. Esta quadrilha que, possivelmente, era chefiada pela família do prefeito, esbanjava riqueza à luz do dia.

E o mais curioso desta história toda, é que o 'dono' do helicóptero era tão pobre, que não tinha nem uma bicicleta para andar. Todos nós estamos carecas de saber que ele não passa de um 'laranja'.

Ou seja, é uma pessoa do povo que as quadrilhas utilizam para colocar os bens adquiridos em nome dela. Os noticiários demonstram que os recursos mais desviados pelos prefeitos e secretários são das áreas de:

a)Educação, que deveria pagar salários dignos aos professores;

b)Saúde, que deveriam manter os hospitais funcionando com médicos, medicamentos e , até, ambulância;

c)Convênios para a realização de estradas, conjuntos habitacionais e sistemas de abastecimento de água.

A lógica é a seguinte, quando estes gestores corruptos (prefeitos e secretários) desviam o dinheiro público, não podem aparecer com bens como casas, terrenos, sítios, fazendas ou carrões. Compram tudo e colocam em nome de outras pessoas.

Assim, quando vão fazer a declaração de Imposto de Renda, ou mesmo prestar informações à Justiça Eleitoral para se candidatar, não tem nada em seu nome. Nem um penico para usar na madrugada.

Assim, os prefeitos e secretários posam de 'pobre' e boa parte da população cai nesse velho golpe.

Quem não conhece alguém que tem apenas um 'empreguinho', mas tem uma excelente casa, sítio e carrão?